Cultura

Abrem-se as cortinas: a arte volta a receber o público

Cinemas, museus, galerias e teatros começam a reabrir

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A feira ArtRio reuniu 49 expositores e recebeu 8,1 mil visitantes, mas só 450 simultâneos. Foto: Bruno Ryfer A feira ArtRio reuniu 49 expositores e recebeu 8,1 mil visitantes, mas só 450 simultâneos. Foto: Bruno Ryfer
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Primeira atividade a fechar suas reuniões com público presente, em março, a cultura também está sendo uma das últimas a reabri-las por todo o País neste mês de outubro, mas de maneira cautelosa, parcial e com olhar ainda hesitante do seu mais esperado parceiro, o espectador. Isso sinaliza que não sairão de cena, de uma hora para outra, os drive-ins, as lives e os festivais virtuais, que dão mostras de que vieram para ficar.

 

Em São Paulo, um dos templos do jazz e do blues, o Bourbon Street Music Club recebeu o público pela primeira vez na quinta-feira (15) para render uma homenagem simbólica àquele que inaugurou a casa, há 27 anos, o bluesman B.B. King. Antes, porém, investiu para gerar uma sensação de segurança: reformulou seu layout arquitetônico, abrindo uma parede lateral para instalar três grandes janelões e um café voltado para a rua. Dos 180 espectadores permitidos, 144 compareceram, um alento para o pequeno clube. “O importante é que nunca haverá de fato distância entre nós, o público, e o artista aqui no palco. Essa comunhão independe das regras de distanciamento social”, disse Edgard Radesca, proprietário da casa de shows.

A entrada de São Paulo na fase verde do plano de contenção da pandemia encorajou o próprio governo a reabrir suas instituições culturais com 60% da capacidade. Os museus, teatros, salas de espetáculo e bibliotecas geridos pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo de São Paulo foram autorizados a funcionar. Dos equipamentos vinculados à pasta, os situados na capital foram os últimos a ter as atividades liberadas, embora estivessem prontas para a reabertura desde agosto, segundo declarou o secretário Sérgio Sá Leitão. 

A Pinacoteca de São Paulo reabriu com um desafio que vai na contramão do desejo de qualquer gestor cultural em tempos normais: reduzir drasticamente o público. O museu que já chegou a contar picos de mais de mil pessoas por hora, em exposições como de Rodin (1995 e 2001) a Ron Mueck (2014), agora tem problemas se exceder os 140 visitantes por hora. Os ingressos do primeiro lote para a exposição Segredos, da dupla OsGêmeos, já se esgotaram para até meados de novembro. O horário só vai das 14 às 20 horas. Para evitar aglomerações, mesmo com o público reduzido, a Pinacoteca construiu itinerários que forçam o público a ir em uma só direção. Mas a aguardada volta dos espectadores animou o diretor-geral Jochen Volz. “Num momento muito triste, seja pela Covid ou pela política, essa exposição superviva e muito colorida pode resgatar o mundo do imaginário, e é esse o viés transformador da arte”, diz. Enquanto esteve fechado, o museu pôde reformar o acervo inteiro.

Em São Paulo, foram liberadas 60% das capacidades dos espaços culturais

Para receber o público, além da redução de 60% da capacidade de público, do distanciamento obrigatório de 1,5 metro entre cada pessoa, sinalização no piso e espaçamento de 2 metros nas áreas de circulação de público, os eventos com mais de 600 pessoas devem ter autorização da Secretaria Municipal de Licenciamento.  Os museus devem limitar as visitas em grupo a dez pessoas e optar por exposições que não exijam toques. As bibliotecas devem oferecer informações sobre o acervo de forma digital, para acesso via celulares e tablets. Em caso de obra física, deve ser folheada individualmente e encaminhada diretamente a uma área de quarentena pré-determinada por 48 horas após leitura.

Os cinemas, sempre dependentes dos resultados de bilheteria, têm de se acostumar com uma realidade bem diferente na reabertura. Valem também os 60% de lotação. Como é preciso haver duas poltronas vazias de cada lado dos espectadores, essa ocupação chegará a no máximo 50% da sala. As duas primeiras semanas de reabertura indicam que a retomada será lenta no setor. Uma das maiores exibidoras do mundo, a transnacional Cinemark, com 642 salas de cinema pelo País, afirma que não divulga dados de público, mas no domingo 18 havia sala de 200 lugares com menos de 20 espectadores.

O Belas Artes Grupo, que inclui o tradicional cinema paulistano Petra Belas Artes, comemora a volta, segundo a diretora-executiva Juliana Brito: “No dia da abertura tinha fila na porta antes mesmo de abrir, e foi muito emocionante. Há dias melhores e dias piores, mas no último fim de semana chegamos a ter 40% dos ingressos disponíveis vendidos”. Adhemar Oliveira, diretor de programação do Espaço Itaú (presente em seis capitais brasileiras), classifica a pandemia como “uma draga” e é mais direto: “A ocupação foi em torno de 10% de um fim de semana normal. Baixo, muito baixo”. 

Com as salas fechadas, a distribuidora independente Vitrine viu seu faturamento encolher mais que 50%, e 14 filmes (dois por mês) programados ficaram sem lançamento. “É uma retomada que hoje, em outubro, ainda é muito inicial. O público ainda está entendendo que dá para voltar”, diz Felipe Lopes, um dos sócios da Vitrine. “Os protocolos limitam, com toda razão, o número máximo de assentos. A gente vai ter de gerenciar e entender essa reabertura dentro das limitações que ela tem, com menos sessões por dia, menos ocupação. É um novo cenário, e é um cenário que não implica a volta ao que era antes, nem perto disso.” 

Pinacoteca Pinacoteca reabre com exposição de OsGêmeos, mas impedirá grande públicos como os do passado. Foto: Levy Fanan/Pinacoteca SP

Na área da distribuição, será necessário enfrentar uma fila de filmes, com a maioria daqueles que não puderam ser lançados durante a quarentena (uma minoria estreou nos últimos meses, no formato drive-in). “A gente vai ter um cenário de muitos títulos para lutar por um espaço que hoje, nesta reabertura, é menor. Talvez em 2022 a gente vá ter uma situação de ter menos filmes. Em 2021, não. Temos mais filmes para 2021 do que tivemos nos dez anos de Vitrine”, diz Lopes.

O diretor do Espaço Itaú, Adhemar Oliveira, dá uma ideia dos prejuízos com sete meses de interrupção: “Não fiz a conta ainda, mas a perda é brutal. É traumático, bastante problemático. Agora, nossas previsões sobre a retomada são de que a gente tenha talvez uns seis meses ainda de acomodações”. Ele testa hipóteses sobre o futuro próximo dos cinemas. É uma gangorra que ainda não está definida”. E completa: “Não tendo recidivas ou coisa parecida, tendo vacina… Estou sendo até otimista, para falar a verdade”. 

No Rio de Janeiro, no primeiro fim de semana da reabertura das salas de cinema, as bilheterias arrecadaram um quinto do que faturavam antes da pandemia. O Rio reabriu, segundo números do portal Filme B, 138 salas e 27 cinemas, condicionando a uma ocupação de 50% das poltronas. A cidade arrecadou R$ 120,5 mil em ingressos na sexta-feira, no sábado e domingo – o que corresponde a cerca de 19% da renda total do país no mesmo período, que foi de R$ 633 mil. O resultado é modesto, mas os exibidores acreditam que o retorno será progressivo.

A periferia não teve o privilégio de poder viver a quarentena, diz Gal Martins, do grupo de dança Sansacroma

Também no Rio de Janeiro o mercado de arte viveu sua primeira experiência de evento presencial com a feira ArtRio, que reuniu 49 expositores na Marina da Glória. O número de visitantes foi limitado a 450 pessoas simultaneamente, com indicação de horário de entrada e tempo de permanência. Ao longo de cinco dias, a feira recebeu 8.100 visitantes.

Já nas periferias a reabertura não aconteceu. A companhia de dança Sansacroma não recebeu até agora uma sinalização para poder retomar a residência artística nas Fábricas de Cultura do Capão Redondo e do Jardim São Luiz, na zona sul de São Paulo. A partir do dia 27 de outubro as Fábricas de Cultura das zonas norte e sul reabriram parte dos ateliês e atividades culturais e artísticas formativas, bibliotecas e o projeto Núcleo Luz. A retomada das residências para os artistas ainda estão sendo avaliadas. Toda a produção do Sansacroma tem de ser feita dentro das casas dos artistas. “A gente da periferia não tem espaço cultural aberto, nem mesmo uma previsão”, diz Gal Martins, fundadora do Sansacroma. A companhia até conquistou editais emergenciais, mas a verba ainda não chegou. 

“A quebrada teve de sair para trabalhar. Muitos dos nossos trabalhadores não tiveram o privilégio de poder viver a quarentena. E isso gera ruídos, carro de som, crianças nas ruas, vários sons que interferem no nosso processo artístico.” Essa nova lógica de produção em série afetou não só os artistas periféricos, mas também a todos. “Essa pandemia trouxe para nós a ideia de produzir um conteúdo ou produto ou uma obra descartável. Viramos a fábrica dos artistas que produzem trabalhos inéditos, com pouco tempo de aprofundamento de pesquisa”, finaliza Gal.

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