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A violência em rima

Kendrick Lamar, considerado o rapper mais influente do mundo, realiza no fim deste mês o seu primeiro show no Brasil

A violência em rima
A violência em rima
Inquietação. Com o álbum Damn (2017), ele foi o primeiro artista do hip-hop a receber o prestigiado Prêmio Pulitzer de Música, nos Estados Unidos – Imagem: Timothy A. Clary/AFP
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O Black Lives Matter, surgido nos Estados Unidos para combater e neutralizar atos de violência contra a comunidade negra, realizou sua primeira conferência em 2015, na Universidade de Cleveland, Ohio.

Um incidente ocorrido na saída do encontro, envolvendo a polícia, fez com que, espontaneamente, centenas de pessoas cantassem a música Alright, de Kendrick Lamar, como forma de protesto. A canção acabou, assim, por se tornar um hino do movimento.

Na canção, Lamar define a vida dos negros (em tradução livre para o português): Você não saberia/ Nós já fomos feridos, já fomos os capachos antes/ Mano, quando meu orgulho estava lá embaixo/ Olhando pro mundo fica tipo pra onde a gente vai/ Mano, nós odiamos polícia/ Querem nos assassinar nas ruas, com certeza.

A canção integra o álbum To Pimp a Butterfly, também lançado em 2015 e considerado um dos melhores registros fonográficos do hip-hop de todos os tempos.

O disco agrega à sonoridade funk o ­jazz e o soul, e incorpora, à letra, princípios de resistência e autoconhecimento.

O disco contém, além de Alright, outra canção que teve enorme impacto dez anos atrás: The Blacker the Berry, que também trata da violência policial. Dois anos depois, no disco Damn (2017), Lamar voltaria a causar impacto com canções como Humble e Loyalty, com participação de Rihanna.

Algumas dessas canções estarão no primeiro show que Kendrick Lamar, de 38 anos, fará no Brasil, dia 30 de setembro, no Allianz Park, em São Paulo.

A passagem pelo País insere-se em uma turnê mundial intitulada Grand National, que começou em abril nos Estados Unidos. Depois do Brasil, ele seguirá para outros países da América Latina, como México, Colômbia, Argentina e Chile, para terminar a turnê na Austrália, em dezembro.

Lamar é hoje considerado o rapper mais influente do mundo. O que marca sua personalidade artística é o fato de ele trabalhar conceitos como as questões raciais e sociais; a superficialidade que tende a rodear a fama; as inseguranças pessoais e o amor-próprio.

Nascido em Compton, uma das cidades mais violentas da Califórnia, ­Kendrick Lamar tinha 5 anos quando presenciou um assassinato na porta de casa – crime atribuído à guerra do tráfico de drogas no local. Aos 8, ele testemunharia outro assassinato nas ruas da cidade, que, anos depois, seria citado por ele na música Element, também do álbum Damn.

A violência, tema bastante presente em suas composições, esteve sempre muito perto dele. Não só pelo lugar onde cresceu, mas porque seu pai era ligado a uma das gangues de Compton. Na adolescência, misturado a um grupo de amigos, acabou sendo perseguido pela polícia.

Aos poucos, no entanto, ele, que era estudioso, acabou por mergulhar na poesia e, pouco a pouco, foi se afastando do mundo­ do crime para se dedicar à música, que se tornaria uma forma de ele retratar o universo injusto e perigoso que o rodeava.

Sua canção Alright tornou-se, na década passada, o hino do movimento Black Lives Matter

Em 2003, aos 16 anos, Lamar adotou o nome de K-Dot e lançou um mixtape – conjunto de músicas gravadas de maneira informal com objetivo promocional. Não demorou para que chamasse a atenção de uma pequena gravadora independente à qual se vincularia. Lamar lançaria mais alguns mixtapes e um EP ­(extended play), e se juntaria a outros ­rappers para gravações.

A partir de Section.80 (2011) e Good Kid, Maad City (2012), seus dois primeiros álbuns, já se apresentando com seu nome original, ele começou a ganhar destaque nacional.

No início da carreira, parte de sua popularidade foi conquistada conforme ia, em entrevistas, relatando suas vivências – como a infância difícil e a vida na rua, com seus perigos e efeitos psicológicos. Os discos de estreia, com letras que representavam sua realidade, foram despertando no público e na mídia o desejo de conhecer melhor suas fontes de inspiração.

Depois do sucesso de To Pimp a ­Butterfly, ele ganharia, com Damn, o prestigiado Prêmio Pulitzer de Música nos Estados Unidos – até então entregue apenas para artistas do universo da música clássica ou do jazz.

O júri, à época, elogiou a autenticidade lírica do trabalho de Lamar, destacando a fluência rítmica de suas canções e sua comovente descrição, nas letras, da complexa vida afro-americana.

Em 2018, ele fez, para o filme Pantera Negra, a canção All The Stars, indicada ao Oscar de Melhor Canção Original. Desde o início da carreira, o rapper ganhou 22 prêmios Grammy, tendo recebido, ao todo, 57 indicações.

Seu mais recente álbum, GNX (2024), trouxe o hit Squabble Up, que trata de sua herança no rap californiano, e a reflexiva Heart pt. 6, além de outros sucessos como Gloria, Tv Off e Luther.

Já o single Not Like Us (2024), um dos seus maiores sucessos recentes, tornou-se a música mais premiada da história do Grammy, conquistando cinco categorias. Além de criticar o rapper Drake – que o acusa de pedofilia em uma canção e com quem é brigado há vários anos –, na canção ele trata do uso indevido do hip-hop.

Ao resgatar o gangsta rap, gênero musical mais identificado com a cultura ­hip-hop, ele também entende a arte como elemento de transformação social. Embora se espere que seu show no Brasil seja um grandioso espetáculo de luz e imagens, nada disso deve sobrepor-se às inquietações trazidas por seu som e suas rimas. •

Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A violência em rima’

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