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A indústria da autenticidade

A jornalista Emily Hund procura decifrar a venda de ideias e estilos de vida pelos influenciadores

As irmãs Kardashian (à esq.) são personagens do livro de Emily (acima) sobre redes sociais – Imagem: Redes sociais
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No início dos anos 2000, ­Emily Hund sonhava com uma carreira como jornalista em uma revista de moda. Mas, depois de fazer estágios em empresas de mídia em Nova York e presenciar as quedas de circulação e a redundância de cargos, ela resolveu estudar um dos catalisadores dessas mudanças: as redes sociais e os influenciadores, cujas postagens no YouTube, ­TikTok e Instagram vendem ideias, estilos de vida e produtos para seus seguidores.

A indústria de influenciadores varia de estrelas globais, como as irmãs Kim e Khloe Kardashian, a microinfluenciadores em nichos de interesse. O que eles têm em comum é o fato de trabalharem com marcas para promover ou vender para um público. Hoje, Emily é pesquisadora ­afiliada do Centro de Cultura e Sociedade Digital da Universidade da Pensilvânia, e seu primeiro livro, The Influencer Industry: The Quest for Authenticity on Social ­Media (A Indústria dos Influenciadores: A Busca por Autenticidade nas Redes Sociais), foi recentemente publicado no Reino Unido.

The Observer: Como as redes sociais tomaram conta da vida das pessoas?
Emily Hund: Havia muito otimismo sobre as redes sociais nos anos 2000, quando a tecnologia tornou mais fácil o compartilhamento de opiniões. Durante a crise econômica de 2008, quando as pessoas estavam desempregadas, ela realmente decolou. Os blogueiros encontraram um público fiel e os anunciantes se interessaram por eles. Isso tudo aconteceu em meio à crise da mídia tradicional, quando eles buscavam novas formas de divulgar os produtos.

TO: As primeiras influenciadoras, como Tavi Gevinson e Michelle Phan, surgiram como blogueiras de moda e beleza. Como pessoas não qualificadas e sem experiência se tornaram gurus nas redes sociais?
EH: Como sociedade, veneramos os empreendedores e amamos a ideia de as pessoas “serem elas mesmas” na alta cultura e nos negócios, e também na cultura das celebridades. Havia, portanto, um terreno fértil para influenciadores, vistos como mais autênticos do que os especialistas tradicionais.

TO: Mas “autêntico” é uma qualidade tão nebulosa… Como se tornou uma medida do sucesso de um influenciador?
EH: Houve um grande fluxo de influenciadores depois que a primeira onda gerou reconhecimento e dinheiro. Isso levou a uma enxurrada de conteúdo, e já não bastava ser influente no sentido quantitativo – número de seguidores, taxa de engajamento. Você tinha de provar que era “mais real” do que qualquer outra pessoa. Não apenas fiel a si mesmo, mas com uma correspondência autêntica com uma marca.

“Eu não diria ser um bom trabalho. Meta e TikTok controlam seu conteúdo e sua visibilidade de forma não transparente”

TO: Isso soa horrível. Pensei que ser um influenciador fosse divertido.
EH: Eu não diria ser um bom trabalho. Aqueles que conseguem negócios milionários são uma fatia microscópica de uma grande indústria. Há muitas dinâmicas raciais e de gênero problemáticas, e também desigualdade entre influenciadores e plataformas. No início, os blogueiros postavam em seus blogs ­pessoais, mas, depois, Meta e TikTok comeram o mundo. Essas empresas controlam seu conteúdo e visibilidade, sem transparência sobre os algoritmos. Os entrevistados com quem conversei têm um medo constante de entrar em conflito com marcas ou seguidores e perdê-los.

TO: Como a indústria de influenciadores mudou à medida que se desenvolveu?
EH: Ela passou a envolver as indústrias culturais e políticas. Durante muito tempo, os influenciadores eram veículos de mensagens comerciais, mas, agora, trata-se de espalhar ideias e produtos. Houve um aumento no tempo que as ­pessoas passam nas redes sociais durante o lockdown, e hoje temos influenciadores científicos, médicos, especialistas ou céticos. Isso não teria acontecido sem os Stories do Instagram e o ­TikTok: você não pode usar uma foto bonita do ­Instagram para vender uma teoria da conspiração, mas vídeos curtos, sim.

TO: O que você acha de Kim Kardashian promovendo criptomoedas?
EH: Cada nível de influenciador pode oferecer algo a um anunciante. Trabalhar com Kim Kardashian, uma celebridade com centenas de milhões de seguidores, pode dar à marca uma tonelada de exposição e impulsionar rapidamente as vendas. O que não entendo, francamente, é o apelo desses acordos para ela e outras pessoas que não precisam necessariamente do dinheiro. Os produtos financeiros e de saúde, em particular, trazem muitos riscos para sua marca pessoal e a colocaram em apuros com a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos.

TO: O que você achou do TikTok viral de Romy Mars (no qual a filha de 16 anos da cineasta Sofia Coppola faz molho de vodca para macarrão e revela que ficou de castigo após tentar alugar um helicóptero usando o cartão de crédito do pai)? É uma farsa?
EH: É um ótimo exemplo de como não podemos saber qual é a verdade por trás da aparente autenticidade dos influenciadores. Ela estava fazendo uma peça de arte nepotism baby (os filhos bem-sucedidos das celebridades) ou era uma adolescente compartilhando o que estava acontecendo em sua vida? Não temos como saber. Este é o ponto.

TO: Você segue o conselho de algum influenciador?
EH: Sou totalmente culpada por comprar coisas sugeridas por influenciadores. Em um mundo onde você é sobrecarregado de informações, eles podem nos dar uma boa recomendação. Comprei um tapete para o meu quarto de que gosto muito, por causa de uma influenciadora – e continuo gostando dele cinco anos depois. Você só precisa estar ciente de que existem muitas alavancas por trás do conteúdo encontrado. Há muito mais nisso do que sermos nós mesmos. •


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

Publicado na edição n° 1259 de CartaCapital, em 17 de maio de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A indústria da autenticidade’

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