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A ideia de plantas como pessoas

A célebre botânica Robin Wall Kimmerer une a ciência aos saberes indígenas para fazer a defesa da natureza

Robin, professora de Biologia Ambiental na Universidade Estadual de Nova York, vê as plantas como seres criativos, dotados de uma inteligência diferente da nossa – Imagem: Dale Kakkak e iStockphoto
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“Está na hora de aprendermos uma lição com os musgos”, diz Robin Wall Kimmerer, célebre escritora e botânica. Seu primeiro livro foi a obra de história natural e cultural Gathering Moss (Colhendo Musgo). Enquanto diz isso, ela sorri, como se pensasse em um velho amigo. “O que permitiu que eles persistissem, por 350 milhões de anos, a todo tipo de catástrofe e mudança climática, e o que podemos aprender com eles?” Ela enumera as lições em tom comovente: “Ser pequeno, dar mais do que se recebe, trabalhar com a lei natural e sermos unidos”.

O primeiro trabalho de Robin publicado no Brasil, A Maravilhosa Trama das Coisas – Sabedoria Indígena, Conhecimento Científico e os Ensinamentos das Plantas, foi lançado, em 2013, por uma editora independente, nos países de língua inglesa, e tornou-se um fenômeno do boca a boca. Sete anos depois, chegaria à lista dos mais vendidos do New York Times.

Mãe de duas filhas e avó, Robin, de 69 anos, professora de Biologia Ambiental na Universidade de Nova York, tem a voz suave e fala de forma apaixonada e contundente. Ri com frequência e facilidade.

“A maioria das pessoas realmente não entende as plantas e não vê o que elas nos dão”, diz a cientista ambiental. “Então, meu ato de reciprocidade é, tendo visto as plantas como presentes, como inteligências diferentes da nossa e como seres criativos – capazes de fazer a fotossíntese! –, quero ajudá-las a se tornarem visíveis. As pessoas não podem entender o mundo como um presente, a menos que alguém lhes mostre isso.”

Em sua coleção de ensaios de estreia, Gathering Moss, ela combinou, com profunda atenção e musicalidade, narrativa, ciência e percepções ­pessoais para contar a história negligenciada das plantas mais antigas do planeta. Em A Maravilhosa Trama das Coisas, ela ampliou seu escopo com uma série de lições práticas apoiadas pela cultura e sabedoria indígenas.

Com os cedros, por tudo que fornecem – das canoas às capas –, podemos, por exemplo, aprender a generosidade. O livro ensina ainda o valor da colheita sustentável, do cuidado recíproco e da cerimônia. A mentalidade Windigo, um monstro lendário da tradição Anishinaabe, é um aviso contra ser “consumido pelo consumo”. Já a língua do povo Potawatomi serve para que ela aborde as ideias de recuperação e restauração – do global para o pessoal.

Tudo isso forma um apelo coerente e convincente para o que ela descreve como “reciprocidade restauradora”, ou seja, uma valorização dos dons e das responsabilidades que os acompanham, e um entendimento da gratidão como remédio para o mundo capitalista doente.

A MARAVILHOSA TRAMA DAS COISAS. Robin Wall Kimmerer. Tradução: Maria de Fátima Oliva do Coutto. Intrínseca (416 págs., 69,90 reais)

Antes de publicar Gathering Moss, ­Robin lecionou em universidades, criou suas filhas e publicou artigos em revistas revisadas por pares. Textos como estes que publica agora eram algo que “fazia discretamente”, longe da academia. Mas ela se irritava por ter de produzir artigos “chatos”, em linguagem científica.

O que realmente queria era contar histórias antigas e novas, praticar “a escrita como um ato de reciprocidade”. Por meio de livros comoventes e acessíveis, que trazem tanto a ciência ocidental quanto os ensinamentos indígenas, ela busca, essencialmente, “encorajar as ­pessoas a prestar atenção nas plantas”. E o que é mais notável: encontrou essas pessoas. A Maravilhosa Trama das Coisas envolve leitores de muitas origens.

“O que é revelado para mim pelos leitores é um desejo profundo de conexão com a natureza”, diz Robin, referindo-se à noção de biofilia de Edward O. Wilson – nosso amor inato pelos seres vivos. “É como se as pessoas se lembrassem de um lugar ancestral dentro delas. Elas se lembram de como seria viver em um lugar onde você se sentiu companheiro do mundo vivo, não um estranho. Mas o outro lado de amar tanto o mundo”, aponta, citando o influente conservacionista Aldo Leopold, é que ter uma educação ecológica é “viver sozinho em um mundo de feridas”.

“Temos a tendência de fugir dessa dor”, explica ela. “Mas acho que este é o papel da arte: nos ajudar na dor, e através da dor, uns pelos outros, por nossos valores, pelo mundo vivo. Penso na dor como uma medida do nosso amor. Essa dor nos obriga a fazer algo, a amar mais. Acredito que, quando um leitor fecha este livro, os direitos da natureza fazem todo o sentido para ele. Tento transmitir a ideia de plantas como pessoas.”

A chave para isto é restaurar o que a cientista chama de “gramática da animalidade”, ou seja, ver a natureza não como um recurso, mas como um ­“parente” mais velho – reconhecer o parentesco com plantas, montanhas e lagos. A ideia, enraizada na linguagem e na filosofia indígenas, tem afinidades com o movimento emergente pelos direitos da natureza.

“As leis são um reflexo dos nossos valores”, diz ela. “Então nosso trabalho tem de ser não necessariamente usar as leis existentes, mas promover o crescimento dos valores da justiça. E a narrativa e a arte podem nos ajudar a mover a consciência de uma forma que essas estruturas legais de direitos da natureza façam sentido.”

Embora reconheça não ter “o poder de desmantelar a Monsanto”, Robin valoriza sua capacidade de mudar a forma como vive diariamente e como pensa o mundo. “Só tenho de ter fé em que, quando mudamos a forma como pensamos, de repente mudamos como agimos e como as pessoas ao nosso redor agem. É assim que o mundo muda: mudando corações e mudando mentes. E é contagioso.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1262 de CartaCapital, em 07 de junho de 2023.

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