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A cara do streaming

Um estudo da Ancine revela a baixíssima presença de séries e filmes brasileiros nas plataformas internacionais

7 Prisioneiros é um filme brasileiro, mas os direitos de propriedade pertencem à Netflix – Imagem: Netflix
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O mercado brasileiro de ­streaming, desbravado pela Netflix a partir de 2011 e superpovoado desde a eclosão da pandemia, em 2020, tem várias caraterísticas que o tornam particular. Uma delas é a ausência de dados públicos. Enquanto as tevês aberta e fechada e as salas de cinema são obrigadas a abrir seus números, as plataformas os guardam a sete chaves.

Dada a falta de informações sobre esse segmento do audiovisual tem gosto de revelação o Panorama do Mercado de Vídeo por Demanda no Brasil, feiro pela Agência Nacional do Cinema (Ancine). Trata-se de um levantamento inédito da oferta de serviços de VoD (sigla derivada do inglês video on demand) no País e da presença de obras brasileiras nos catálogos.

A primeira curiosidade a respeito do documento é que a Ancine, embora deva fiscalizar e regular o audiovisual, não tem acesso aos dados das plataformas. Por isso, precisou contratar um serviço privado, prestado pela empresa Business Bureau – que coleta dados de 3 mil plataformas em 190 países – para realizar o estudo que deve nutrir as discussões ­sobre a regulação do streaming de vídeo.

Cabe explicar que, pelo fato de distribuir conteúdo via internet, o streaming passa ao largo das legislações vigentes, pensadas para outras formas de transmissão, como aquelas utilizadas pelas tevês. Existem hoje no Congresso Nacional pelo menos oito Projetos de Lei que tratam desse tema, mas, nos quatro anos de governo Bolsonaro, foi impossível avançar na discussão.

A partir de agora, ela tende a ser tratada como prioritária pelo governo. E uma das coisas que os novos dados fazem é jogar por terra o argumento repisado pelas plataformas internacionais quando se fala em regulação: não é necessário tornar obrigatória a exibição de conteúdo brasileiro, pois ela já é feita. Ficou demonstrado que não é bem assim.

O estudo, que tem como escopo o mercado latino-americano, mostra que, dentre os 20 países da região cobertos pela análise, o Brasil é o que mais tem serviços de VoD. São, ao todo, 59 plataformas em funcionamento. Dessas, foram excluídas as especializadas em conteúdo erótico e as que não possuem informações detalhadas sobre a programação. Sobraram 31.

Juntos, esses serviços oferecem em torno de 32 mil títulos. E, espelhando o que acontecia na tevê por assinatura antes da implantação da cota para o conteúdo nacional – estabelecida pela Lei 12.485, de 2011 –, a oferta é, majoritariamente, de filmes e séries estrangeiros. No caso da tevê por assinatura, até 2011, a presença da produção brasileira era, na média, de 5%. No conjunto de plataformas, a Ancine identificou 10,9% das obras como brasileiras.

Os serviços por assinatura ofertam 32 mil obras, mas quase todas feitas de 2016 em diante

Os únicos serviços nos quais a presença é grande são os locais. Na Box Brazil Play, derivada da programadora homônima de tevê por assinatura, criada justamente no bojo da Lei da TV Paga, 91% das obras são brasileiras. Os canais Globo e a plataforma Globoplay aparecem na sequência, com 30% e 57% de conteúdo brasileiro, respectivamente (ver tabela na pág. ao lado). Detalhe: o porcentual do Globoplay corresponde a cerca de 960 títulos, enquanto na Box Brazil Play são 220 obras registradas.

No caso da Amazon Prime Video e da Netflix, apenas 6% do catálogo (483 e 303 títulos, respectivamente) é composto de filmes e séries brasileiros. As plataformas nas quais o conteúdo nacional tem menor participação são Vix, Claro Video e Starzplay, com cerca de 1%.

Uma observação importante é que estão incluídos, nesses porcentuais, originais das plataformas, ou seja, filmes e séries que foram realizados aqui, mas cujos direitos de propriedadde pertencem não às produtoras independentes brasileiras, mas a grandes grupos de entretenimento.

É sabido que, nos últimos dois anos, Netflix, HBO+ e Amazon, entre outras grandes plataformas, investiram recursos próprios na produção de originais nacionais, contratando, para isso, empresas e profissionais brasileiros.

Além de jogar luz sobre aspectos que podem servir de base para uma política regulatória – que tem, entre os objetivos, a correção daquilo que os economistas definem como “falhas de mercado” –, o estudo oferece um bem-vindo panorama geral.

Descobre-se, por exemplo, que o Brasil é, entre os países analisados, aquele com a menor média de preços para a assinatura mensal: 26,36 reais. E as plataformas, tornadas o principal ambiente de consumo audiovisual, atraíram para seu negócio, por meio de associações, empresas como Bradesco, Casas Bahia, Claro, Mercado Livre, Oi e Rappi.

Dentre os serviços por assinatura, o que tem maior quantidade de oferta é a Amazon: 5,8 mil filmes e 1,8 mil séries, que totalizam mais de 48 mil episódios. Na sequência, aparece a Netflix, com 5,2 mil títulos (ver tabela abaixo).

Enquanto os serviços por assinatura disponibilizam mais de 30 mil títulos, o modelo transacional – de compra e aluguel – tem uma oferta de 18,5 mil. No VoD gratuito, caso do YouTube, a disponibilidade é de menos de 9 mil títulos.

A abundância não significa, porém, diversidade. E isso não diz respeito só ao produto brasileiro ou a cinematografias não dominantes. A oferta é absolutamente concentrada em obras recentes. A grande maioria das obras disponibilizadas tem até cinco anos de vida – tendo sido produzidas entre 2016 e 2021. Os filmes anteriores a 2001 representam apenas 14% do conteúdo dos serviços por assinatura. No caso das séries, esse porcentual cai para 4,3%.

Finalmente, aquilo que era intuído, começou a ser demonstrado. •

Publicado na edição n° 1250 de CartaCapital, em 15 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A cara do streaming

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