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Taxar os alimentos nocivos

A criação do imposto seletivo para os ultraprocessados é a mais eficaz política pública de desestímulo ao consumo de produtos maléficos à saúde

Taxar os alimentos nocivos
Taxar os alimentos nocivos
Um estudo do Datafolha encomendado pelo Idec salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados foram os produtos campeões de consumo na pandemia. (Foto: iStock)
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O Brasil é reconhecido internacionalmente pela excelência da sua política de controle do tabagismo. Registra uma das menores taxas de prevalência de fumantes do mundo. Isto se deve, sobretudo, à política pública implementada ao longo das últimas décadas, sob liderança do Ministério da Saúde, baseada em quatro pilares: banimento das propagandas e rigoroso controle da publicidade do fumo; proibição de uso do tabaco em ambientes fechados e de fumódromos; tratamento gratuito no SUS; e elevação expressiva dos impostos.

Essa última medida, em particular, é apontada como determinante para a diminuição do uso de tabaco e seus derivados, principalmente entre as classes populares. Muitos leitores ainda devem lembrar-se do tempo em que se vendia cigarro a menos de 1 real o maço.

O impacto das medidas sobre as taxas de mortalidade, internações e controle de doenças – como as cardiovasculares, neoplasias e pulmonares – é indiscutível. Tratou-se, sem dúvida, de uma conquista civilizatória da sociedade brasileira, ainda que atualmente ameaçada pelas iniciativas que visam regularizar a comercialização dos cigarros eletrônicos.

É chegada a hora de avançar no enfrentamento de outro grave problema de saúde pública: a má alimentação. Para além de enfrentar a fome, que regressou de forma estúpida e vergonhosa nos últimos anos, vivemos uma epidemia de obesidade, que avança sistematicamente em todos os gêneros e faixas etárias.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (2020), 96 milhões de brasileiros estão com sobrepeso, ou seja, 60,3% da população. Além, disso, um em cada quatro brasileiros é obeso, num total de mais de 41 milhões de pessoas. Mais grave ainda é o quadro da saúde infantil: dois terços das crianças com até 2 anos têm sobrepeso e um terço está obeso. As perspectivas para as próximas décadas, se nada for feito, são sombrias.

Trata-se de uma questão multifatorial, mas a má alimentação é fator preponderante na configuração desse tenebroso quadro. Em particular, destaca-se o crescente consumo de alimentos ultraprocessados, particularmente entre os mais pobres, por sua acessibilidade, alegada praticidade e menores preços, em detrimento de alimentos saudáveis, naturais ou minimamente processados. Estima-se que 57 mil pessoas entre 30 e 69 anos morrem todos os anos, no Brasil, por causa do consumo desses produtos.

Alimentos ultraprocessados passam por várias etapas industriais e apresentam características maléficas ao nosso organismo, por conterem aditivos e excesso de gorduras, açúcares e sódio, além de pouca quantidade de fibras. Como exemplo podemos citar refrigerantes, sucos artificiais, biscoitos recheados, salgadinhos, pizzas congeladas, molhos prontos e macarrão instantâneo, entre outros produtos presentes à mesa dos brasileiros.

De acordo com o Guia de Alimentação Saudável do Ministério da Saúde, referência internacional reconhecida e recomendada para outros países pela OMS e pela FAO, eles devem ser evitados. Quando consumidos em grandes quantidades, esses alimentos favorecem o desenvolvimento de graves problemas de saúde, como obesidade, diabetes, hipertensão, demências e cânceres.

A reforma tributária de 2023 representa um marco na transição para um sistema mais racional e eficiente e também uma oportunidade para que se garanta uma sociedade mais justa e saudável.

Isso exige que produtos nocivos à saúde, como cigarros, bebidas alcoólicas e alimentos ultraprocessados sejam mais tributados, de modo a que se desestimule seu consumo. Além disso, não devem receber qualquer tratamento fiscal favorável, com alíquotas reduzidas.

Alimentação saudável é um direito previsto em nossa Constituição Federal. É preciso estimular o consumo pela população de produtos que componham a cesta básica nacional de bens com alíquota zero, um cardápio composto de alimentos saudáveis, essenciais à vida, como arroz, feijão, frutas, legumes e grãos. E desincentivar, por meio do imposto seletivo, os ultraprocessados.

A tributação é a política pública mais eficaz para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e mais de 55 países já a adotam para alimentos ultraprocessados.

A hora é agora. É preciso mobilizar a sociedade. Não bastam advertências na parte frontal das embalagens. O governo federal e o Congresso Nacional têm a oportunidade de avançar significativamente na garantia do direito à alimentação adequada e saudável ao implementar o imposto seletivo para produtos ultraprocessados.

É fundamental que os ultraprocessados, ao lado do tabaco e do álcool, entrem no rol dos produtos nocivos à saúde. •

Publicado na edição n° 1298 de CartaCapital, em 21 de fevereiro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Taxar os alimentos nocivos’

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