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Negacionismo econômico dos bolsonaristas inviabiliza outras candidaturas à direita

A pesquisa Vox Populi mostra o que pensa o bolsonarista típico. O retrato não é bonito.

O ex-juiz Sergio Moro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Que palavra você usaria para se referir àqueles que não acreditam que a economia brasileira vai mal e a pobreza aumentou? Que acham que não passamos por uma pandemia? Que não admitem que as mulheres são tratadas desigualmente no Brasil? Que não enxergam o crescimento do preconceito racial? Uma hipótese seria dizer que são lunáticos. Outra que são tão limitados que não conseguem entender o óbvio. Ou que vagueiam em uma realidade paralela, longe da gente normal.

Há outra resposta, que a mais recente pesquisa do Instituto Vox Populi permite perceber. Esses brasileiros são tudo isso e, quase sempre, mais uma coisa: bolsonaristas. Muitos fazem parte de seu “núcleo duro”, admiradores entusiasmados do capitão, dispostos a defendê-lo com unhas e dentes. Em reciprocidade são os principais interlocutores do discurso e aqueles que o governo trata com mais carinho.

Bolsonaro sempre cuidou dessa turma. Calcula que, com ela, consolida uma base suficiente para voltar a ser o que foi na eleição de 2018: o mais forte candidato da direita, em quem todas as correntes terminaram por confluir, goste-se dele ou o despreze.

É o inverso do que fizeram, em seu tempo, os tucanos, que levaram a ultradireita a apoiá-los, mesmo que sem entusiasmo. Para aqueles que hoje são o “núcleo duro” do bolsonarismo, deve ter sido difícil votar em Fernando Henrique Cardoso, por exemplo.

A pesquisa Vox Populi mostra o que pensa o bolsonarista típico dos problemas­ nacionais e como suas opiniões se articulam com seu comportamento político. O retrato que emerge não é bonito.

Os entrevistados foram abordados a respeito de dez “questões que têm sido discutidas no País e nos meios de comunicação”: se consideravam que as notícias sobre cada uma eram: a) “verdadeiras, acreditavam nelas”; b) “verdadeiras, mas exageradas”, ou c) se eram “mentira, não acreditavam nelas”.

A primeira tratava de “aumento do custo de vida e da inflação dos preços de alimentos, gasolina e energia”, e 73% dos entrevistados responderam que achavam verdadeiras as notícias a respeito. O extraordinário foi que 18% preferiram a segunda opção, dizendo que eram “exageradas”, e 5% que eram “mentira”. Ou seja, no Brasil, para 23% da população, não é verdade que exista inflação nos preços desses produtos, ou que “não é tão elevada quanto se diz”.

Esse padrão de respostas se repetiu nos demais temas. Entre dois terços e três quartos dos entrevistados afirmaram considerar verdadeiras as notícias a respeito de “o aumento do número de pessoas em situação de pobreza extrema e da fome”, “os números da pandemia, de doentes e mortos”, “o aumento da violência em geral”, “o aumento da violência e da discriminação contra as mulheres”, “a crise ambiental, a degradação do meio ambiente e da Floresta Amazônica”, “a crise hídrica e a falta d’água”, “o aumento do ódio e da intolerância entre as pessoas”, “o aumento do preconceito racial” e “a corrupção do governo Bolsonaro”.

Um pouco menos de um terço dos entrevistados vive, no entanto, em outro país: acha exagerado ou mentiroso o noticiário que trata desses assuntos. Para essa fração, as coisas vão bem ou são mostradas como mais negativas do que deveriam sê-lo.

São proporções significativas, embora não formem maioria, o que é um alento para quem espera que tenhamos, a partir de 2023, um governo capaz de combater os nossos problemas. A precondição para resolvê-los é reconhecer que existem.

Entre os eleitores de Lula, 82% estão conscientes da gravidade dessas questões e apenas 4% acham se tratar de “mentira”. Eleito, não será, portanto, difícil convocar o País a enfrentá-las. O complicado são os bolsonaristas: quase 60% imaginam que esses problemas ou não existem (24%) ou “não são tão graves” (33%).

Essa gente é suficiente para inviabilizar outras candidaturas à direita. Se acreditam que o Brasil não tem problemas ou que pode até tê-los, mas não são graves, por que razão arriscariam trocar o capitão por outros nomes, menos conhecidos ou em quem confiam menos? Ainda mais porque acham que ele “não faz mais por culpa do sistema que não deixa”, um mantra que qualquer bolsonarista tem na ponta da língua.

Pode ser inacreditável para quem olha a situação do Brasil com realismo, mas existe uma parcela nada irrelevante da população que crê no capitão e não concorda que tenhamos problemas. Por isso é tão pequeno o espaço para a tal terceira via.

Publicado na edição nº 1184 de CartaCapital, em 19 de novembro de 2021.

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