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Miragem no deserto

Sediada em Dubai, a conferência do clima da ONU outra vez desperdiça as oportunidades

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Quase nada de novo nos Emirados Árabes – Imagem: Stuart Wilson/COP28
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Sobra fumaça, faltam ações. Enquanto as emissões de gases de efeito estufa não param de crescer (60 bilhões de toneladas de CO² foram lançadas na atmosfera em 11 meses deste ano), encolhem as esperanças de um acordo capaz de deter as consequências mais drásticas do aquecimento global. Em sua 28ª edição, sediada pelos Emirados Árabes Unidos, a conferência do clima da ONU reforça a frustração acumulada em uma sequência de negociações emperradas, metas não cumpridas e promessas que nunca saem do papel. E como nada é tão ruim que não possa piorar, a COP28 entrará para a história como aquela que promoveu a “reabilitação” do petróleo, justamente em um momento no qual o planeta clama por uma redução efetiva e urgente do uso de combustíveis fósseis. Presença aguardada na reunião, o presidente Lula tornou-se alvo dos ambientalistas depois de anunciar a adesão do Brasil à Opep+, grupo expandido dos principais países produtores, a ponto de uma ONG conceder ao País o prêmio de “Fóssil do Dia” (mais detalhes na reportagem de Carlos Drummond à página 12).

A melhor notícia da COP28 até o momento – a reunião termina na terça-feira 12 – é a regulamentação do fundo de perdas e danos. Inicialmente, os 550 milhões de dólares, cerca de 2,7 bilhões de reais, serão destinados aos países em desenvolvimento mais afetados pelas mudanças climáticas. Antes tarde. A criação do fundo é um projeto de 30 anos atrás e a resolução aprovada em Dubai é um início atrasado, mas nem chega perto dos 400 bilhões de dólares anuais prometidos pelas nações ricas a partir de 2030. Por sua vez, o Fundo do Clima, aventado pela primeira vez na COP21 e que prevê doações de 100 bilhões de dólares por ano, continua relegado à gaveta.

A ministra Marina Silva apresentou um pacote de iniciativas brasileiras – Imagem: Stuart Wilson/COP28

Outro avanço pode surgir nas discussões de balanço geral das emissões, o chamado Global Stocktake. “Agora é ver qual reação os países terão e o que vão deliberar como ação conjunta em relação aos seus números negativos. Que os países prometeram mal e mesmo suas promessas ruins não foram entregues, todo mundo sabe. O risco de catástrofe, se continuarem fazendo o que está sendo feito, todo mundo também conhece. Então, o que tem de sair desse debate é um compromisso coletivo sobre os passos futuros”, avalia Márcio Astrini, coordenador-executivo do Observatório do Clima, um dos participantes do evento em Dubai. Apesar do pessimismo quanto aos principais itens da pauta da conferência, o ambientalista elenca possíveis ganhos pontuais decorrentes de acordos voluntários firmados entre governos em temas como redução de metano, energias renováveis, desmatamento e sistemas alimentares.

Astrini critica, porém, a condução dada ao debate sobre combustíveis fósseis. “Com essa presidência da COP, não haverá nenhum esforço para que essa agenda ande. Ao contrário.” O presidente da reunião em Dubai é Sultan al-Jaber, principal executivo da Adnoc, estatal de petróleo dos Emirados Árabes. Em pouco mais de uma semana de reunião, Al-Jaber roubou a cena ao menos em dois momentos. Primeiro, quando veio à tona a informação de que pretendia aproveitar a presença de inúmeros chefes de Estado e investidores para realizar reuniões bilaterais com potenciais interessados na exploração de petróleo e gás. Depois, quando vazou um vídeo no qual põe em dúvida a previsão dos especialistas. “Não há nenhuma ciência que diga que a eliminação gradual dos combustíveis fósseis é o que vai nos fazer alcançar a meta de 1,5 grau Celsius”, disparou.

“A liderança ambiental do Brasil é cada vez mais palpável”, afirma Ana Toni, secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente

As empresas petrolíferas também marcaram presença na COP28, mas escaparam da discussão sobre o fim da exploração. Lideradas por Exxon e Saudi Aramco, as duas maiores do mundo, 50 multinacionais do setor anunciaram, entretanto, um vago acordo para reduzir a “perto de zero” até 2030 as emissões de metano decorrentes da atividade. Coincidência ou não, a promessa surgiu na esteira da participação de Kamala­ ­Harris. A vice-presidente dos Estados Unidos anunciou que Washington passará a exigir das petroleiras o fim das emissões do gás. Ainda na esfera governamental, um grupo de 116 países selou o compromisso de triplicar a capacidade de geração de energia renovável até 2030. Medida tímida em face da emergência climática e a dinâmica da economia internacional. “As agências de financiamento nacionais ou multilaterais continuam a investir muito em petróleo, gás e carvão e muito pouco na transição energética”, lamenta Rubens Born, coordenador do Fórum Brasileiro de ONGs de Meio Ambiente, presente em Dubai.

Disposto, nas palavras de Lula, a “liderar pelo exemplo” os debates sobre transição energética e economia verde, o Brasil esteve ativo na primeira semana de conferência, seja nas mesas de negociação dos principais temas, no anúncio da redução do desmatamento da Amazônia ou na apresentação de novidades como a emissão de “bônus verdes” do Tesouro Nacional. O trio formado por Itamaraty, Meio Ambiente e Fazenda toca afinado em Dubai, mas o governo poderia ter passado sem o desgaste causado pelo anúncio de adesão à Opep+ feito por Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia. Lula matou no peito a bola quadrada lançada por Silveira e a rolou suave em um discurso posteriormente repetido pelos subordinados. “Acho importante participar, porque a gente precisa convencer os países que produzem petróleo de que eles têm de se preparar para reduzir os combustíveis fósseis”, declarou.

Espera-se, ao menos, acordos entre países para a redução de metano e aumento da energia renovável – Imagem: iStockphoto

Entre uma mesa de negociação e outra, a secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, afirmou a CartaCapital que o anúncio da adesão à Opep+ “não ofuscou de maneira alguma a capacidade proativa” da delegação brasileira nos Emirados. “A liderança ambiental do Brasil é cada vez mais palpável. O País chegou com propostas de negociação muito claras e progressistas em direção à meta de 1,5 grau Celsius”. Sobre os combustíveis fósseis, Toni pondera: não é um problema só do Brasil. “Muitos países têm hoje a mesma dificuldade. Esse é um debate importante e parte da agenda global.” A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, comemorou a participação do governo na reunião da Coalizão de Ministros das Finanças para a Ação Climática. “Apresentamos avanços concretos na área de finanças sustentáveis, no contexto do Plano de Transformação Ecológica.” Foi notável, diz a secretária, o interesse a respeito da agenda ambiental que o Brasil pretende discutir durante o período de Lula na presidência do G20, grupo das 20 maiores economias do planeta.

Segundo Astrini, a adesão à Opep+ afetou em certa medida a imagem do País. “Falava-se por aqui que o Brasil seria o ‘Guardião do 1,5ºC’. O governo veio com todos os números de baixa do desmatamento, anunciou a transição ecológica, lançou o Fundo de Florestas com a participação do próprio presidente da República. O roteiro estava todo feito, mas nele, obviamente, não havia a entrada do Brasil na Opep. Deu no que deu, e agora o governo, em vez de explicar os avanços, é obrigado a falar sobre a adesão.” Born avalia que “o anúncio teve grande repercussão política e revelou as contradições do Brasil”. Mas, pondera, não afetou a atuação do governo nas negociações diplomáticas em torno dos principais temas. O que realmente importa até o fim da COP28, diz o ambientalista, é fazer com que as discussões no Global Stocktake desaguem em contribuições nacionais mais ambiciosas. “Segundo os cientistas, temos pouco tempo para atingir as metas necessárias de corte nas emissões, especialmente nos países com maior presença de combustíveis fósseis em suas economias. A transição energética tem de ser acelerada o quanto antes.” •

Publicado na edição n° 1289 de CartaCapital, em 13 de dezembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Miragem no deserto’

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