CartaCapital
Justiça eleitoral/ Procura-se uma boia
Sergio Moro reúne-se com Gilmar Mendes na desesperada tentativa de salvar o mandato


O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná suspendeu, na quarta-feira 3, o julgamento das ações que podem levar à cassação do senador Sergio Moro, do União Brasil. Terceira a votar, a desembargadora Cláudia Cristina Cristofani solicitou mais tempo para analisar os autos, mas se comprometeu a proferir sua decisão na próxima segunda-feira, 8 de abril. Antes do pedido de vista, o placar estava empatado: o relator Luciano Falavinha Souza votou pela improcedência das ações e José Rodrigo Sade abriu a divergência.
Seja qual for o resultado do jogo disputado em casa, Moro sabe que a partida decisiva será travada em Brasília, na sede do Tribunal Superior Eleitoral. Não por acaso, reuniu-se com o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, para abrir um “canal de diálogo” com o magistrado, que nos últimos anos tornou-se um crítico ferrenho dos métodos lavajatistas.
Moro angustia-se com o chamado “Efeito Orloff”. Ao encarar o espelho, não enxerga a própria fisionomia, e sim as feições de Deltan Dallagnol, seu antigo parceiro da República de Curitiba. Eleito deputado, o ex-procurador teve o mandato cassado pelo TSE por violar a Lei da Ficha Limpa, mesmo após ser absolvido por unanimidade no tribunal paranaense.
O caso de Moro é distinto, mas nem por isso menos grave. Em duas ações, uma movida pelo PL e outra pela Federação Brasil da Esperança (PT, PV e PCdoB), é acusado de abuso de poder econômico, caixa 2 e uso indevido dos meios de comunicação. O Ministério Público entende que ele cometeu apenas o primeiro crime, devido às elevadas despesas de sua pré-campanha à Presidência da República pelo Podemos. O ex-juiz torrou 2 milhões de reais com eventos, consultorias e produção de vídeos.
Falavinha Souza diz “não haver provas” de que o ex-juiz cogitasse disputar o Senado quando entrou na corrida presidencial. “Faz parte do jogo político acertos e contatos visando determinadas candidaturas que resultam em outras candidaturas.” De fato, a candidatura ao Legislativo foi uma espécie de prêmio de consolação para Moro, mas o elevado gasto o colocou em situação de vantagem indevida em relação aos demais candidatos na disputa local, avalia Sade. “Houve quebra da isonomia do pleito.”
É só o começo…
A investigação sobre o uso indevido do dinheiro obtido com os acordos de leniência da Lava Jato está próxima de uma conclusão no Conselho Nacional de Justiça. Na segunda-feira 1º, o corregedor nacional Luís Felipe Salomão liberou para julgamento seu parecer sobre a conduta dos juízes e procuradores que conduziram a operação sob a supervisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Salomão apontou a “gestão caótica” dos recursos, que foram utilizados para “interesse exclusivo” de integrantes da Lava Jato. O relatório ressalta que não foi feito inventário para indicar onde foram guardados todos os itens apreendidos, como obras de arte, e que não foi possível identificar parte dos bens e recursos, sobretudo os confiscados no exterior. Entre os alvos da correição figuram o senador Sergio Moro e a juíza Gabriela Hardt, ex-titulares da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Constituição/ Baionetas subalternas
STF forma maioria para refutar “poder moderador” das Forças Armadas
A exótica tese servia apenas para dar um verniz de legalidade a um golpe militar – Imagem: Sergio Lima/AFP
O Supremo Tribunal Federal formou maioria, na segunda-feira 1º, para reafirmar que o artigo 142 da Constituição não prevê o “poder moderador” das Forças Armadas nem avaliza uma “intervenção militar” nos poderes constituídos sob qualquer justificativa. A manifestação ocorre no âmbito de uma ação apresentada em 2020 pelo PDT, preocupado com a tosca interpretação feita por certos “juristas”, que mal disfarçavam a intenção de dar um verniz legal ao golpe cantado em prosa e verso por Jair Bolsonaro.
“A hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição”, disse Gilmar Mendes, ao acompanhar o voto do relator, Luiz Fux, igualmente contrário à exótica tese. Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, presidente do STF, também votaram contra a tutela militar. Ao se manifestar sobre o tema, Dino lembrou que nem sequer existe um “poder militar” previsto na Carta Magna: “O poder é apenas civil, constituído pela soberania popular e ao qual a função militar é subalterna”.
Direto do Coaf
Por unanimidade, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal manteve, na terça-feira 2, a decisão que autoriza a Polícia Federal e o Ministério Público a solicitar, sem prévia autorização judicial, relatórios de inteligência ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf. A decisão reforça a legitimidade de diversos processos por lavagem de dinheiro em andamento e valida uma determinação do relator, ministro Cristiano Zanin. Em novembro, ele derrubou uma liminar do STJ que havia considerado ilegais os relatórios requisitados diretamente ao Coaf. Zanin foi acompanhado por Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Memória/ Rompendo o silêncio
O Estado pede perdão a povos indígenas por crimes da ditadura
A reparação coletiva é apenas simbólica, não financeira – Imagem: Lohana Chaves/Funai
Apesar do apelo do presidente Lula para sua equipe evitar atritos com as Forças Armadas nos 60 anos do golpe de 1964, o Ministério dos Direitos Humanos avançou na pauta do reconhecimento de crimes cometidos pela ditadura. Na terça-feira 2, a Comissão de Anistia anunciou a formalização da reparação coletiva – apenas simbólica, não financeira – aos povos indígenas Krenak, de Minas Gerais, e Kaiowá, de Mato Grosso do Sul. Pelo menos 8 mil pessoas das duas etnias morreram por ação ou omissão do regime militar. A advogada Eneá de Stutz e Almeida, presidente do colegiado, chegou a se ajoelhar para pedir perdão em nome do Estado brasileiro.
No mesmo dia, o Conselho Nacional de Direitos Humanos reabriu o processo sobre o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e morto pelo governo Médici em 1971. Arquivado pelo regime militar, o caso trata de um dos crimes mais famosos da ditadura. Os anúncios servirão para testar a reação dos militares, já de olho na volta da Comissão de Mortos e Desaparecidos, cujo decreto de reinstalação, a pedido de Lula, dorme desde março na Casa Civil.
São Paulo/ Sob a vista grossa de policiais
Condutor de Porsche foge após matar motorista de aplicativo em colisão
O responsável pelo acidente conseguiu escapar do bafômetro – Imagem: Redes sociais
Responsável pelo acidente que matou o motorista de aplicativo Ornaldo Viana, de 52 anos, Fernando Sastre de Andrade Filho, de 24 anos, teve a prisão preventiva negada na segunda-feira 1º pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Na véspera, o jovem, que conduzia seu Porsche de 1,3 milhão de reais em alta velocidade por uma avenida da Zona Leste da capital, colidiu com o Renault de Viana. Arremessado contra um poste, o trabalhador sofreu múltiplos traumatismos e não resistiu a uma parada cardiorrespiratória. Já Andrade Filho, herdeiro de um império do ramo imobiliário, contou com a ajuda da própria mãe para fugir do local e do teste do bafômetro.
O condutor apresentou-se à delegacia 40 horas após o acidente. Embora houvesse poucas testemunhas da batida, que aconteceu durante a madrugada, seu advogado alega que o jovem deixou o local “por medo de linchamento”. Já a conduta suspeita dos policiais militares acionados após a ocorrência, que deixaram Andrade Filho e sua mãe “irem a um hospital” sem fazer o teste, está sendo investigada pela Secretaria de Segurança Pública.
Clube do bilhão
O Brasil é o sétimo país com maior número de bilionários, segundo o ranking da revista Forbes divulgado na terça-feira 2. No topo da lista dos ricaços brasileiros está Eduardo Saverin, com fortuna estimada em 28 bilhões de dólares. O cofundador do Facebook é seguido por Vicky Safra (20,6 bilhões) e pelos sócios da 3G: Jorge Paulo Lemann (16,4 bilhões), Marcel Telles (10,9 bilhões) e Carlos Alberto Sicupira (8,9 bilhões). Entre os estreantes no clube, duas mulheres: Cristina Junqueira, do Nubank, com 1,4 bilhão de dólares, e Livia Voigt, herdeira da Weg, que, com 19 anos e 1,1 bi de patrimônio, é a pessoa mais jovem a figurar na relação.
Diplomacia/ Esconderijo húngaro
Embaixada demite funcionários após vazamento de visita de Bolsonaro
A PF já havia confiscado o passaporte do ex-presidente – Imagem: Redes sociais
A Embaixada da Hungria demitiu dois funcionários brasileiros, responsabilizados pelo vazamento das imagens do circuito interno de segurança que revelaram a “hospedagem” de Jair Bolsonaro, entre os dias 12 e 14 de fevereiro, na sede da missão diplomática magiar em Brasília. As demissões foram reveladas, na quarta-feira 3, pela CNN Brasil e teriam acontecido mesmo sem a comprovação da participação dos funcionários no episódio. Ambos tiveram acesso às imagens e, por isso, foram dispensados.
Bolsonaro chegou à embaixada no mesmo dia em que divulgou nas redes sociais um vídeo conclamando seus apoiadores a participarem da manifestação que aconteceu na Avenida Paulista em 25 de fevereiro. A Polícia Federal decidiu investigar se sua permanência na missão, considerada solo húngaro pelos acordos bilaterais, não configurou tentativa ou ensaio de fuga. Interpelado pelo ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro afirmou ser “ilógico” pensar que ele possa querer fugir. O STF agora aguarda a manifestação da PGR para decidir o que fazer.
Alemanha/ Maconha legalizada
O uso recreativo da cannabis entra em vigor
Os defensores da liberalização venceram – Imagem: John MacDougall/AFP
Desde a segunda-feira 1°, cidadãos maiores de 18 anos estão autorizados na Alemanha a transportar até 25 gramas de maconha nas ruas, cultivar até 50 gramas e manter na residência três plantas de cannabis por adulto. O comércio só será permitido em clubes recreativos, que podem reunir no máximo 500 associados, e haverá anistia retroativa a crimes relacionados ao porte e consumo. Estima-se a revisão de 100 mil processos em tramitação na Justiça. Segundo o governo, a liberação é uma forma de conter o mercado ilegal e diminuir o risco à saúde dos usuários. A Alemanha junta-se a Malta e Luxemburgo no trio de países europeus que legalizaram a droga. Na Holanda, Portugal e Espanha, o uso é descriminalizado, ou seja, os flagrantes não geram processos judiciais. No resto do continente, o consumo é proibido e as punições variam de multa de 280 euros (cerca de 1,5 mil reais) na Letônia a oito anos de prisão no Chipre.
Revés de Erdogan
Há mais de 20 anos no poder e reeleito à Presidência da Turquia no passado, Recep Erdogan esperava confirmar sua supremacia política nas eleições municipais do domingo 31. Saiu frustrado. A oposição manteve o comando das duas maiores cidades do país, Istambul e Ancara. Não só. Os adversários de Erdogan ampliaram a margem de votos em relação à disputa anterior. Os resultados animaram os opositores. Ekrem Imamoglu, prefeito da capital Istambul, desponta como um nome forte para enfrentar o AKP, partido muçulmano de Erdogan, na disputa presidencial de 2028.
Peru/ Crise com hora marcada
Coleção de relógios caros coloca a presidente na linha de tiro
Boluarte tem apreço especial pela marca Rolex – Imagem: Jhonel R. Robles/Presidência do Peru
Um escândalo nunca é demais para os peruanos. Nos últimos seis anos, o país teve cinco presidentes. A depender da evolução da mais nova crise, talvez seja obrigado a escolher outro em breve. No sábado 30, agentes da força de segurança e do Ministério Público realizaram buscas no palácio do governo e na casa de Dina Boluarte, que ocupa o cargo máximo há 15 meses, desde a destituição e prisão do seu companheiro de chapa, Pedro Castillo, por tentativa de golpe de Estado. Os policiais miravam a coleção de relógios de luxo, da marca Rolex, pertencente à mandatária, mas não declarada ao Fisco. A busca e apreensão não encontrou, porém, os modelos mais cobiçados, os três Datejust 36, que custam de 76,5 mil a 113,2 mil reais, e Day-Date, estimado em 90 mil reais. A mídia apelidou a investigação de “Rolexgate”. Segundo relatos, Boluarte recusou-se a entregar os relógios aos agentes. “Se você quiser, encontre-os”, teria dito ao procurador Hernán Mendonza. A presidente chamou a busca de “arbitrária, desproporcional e abusiva”. Por ora, ela mantém o apoio da maioria do Congresso. Até quando?
Publicado na edição n° 1305 de CartaCapital, em 10 de abril de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’
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