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A tragédia em Brumadinho e os limites éticos da publicidade

Empresa de cosméticos usou desastre humano e ambiental para se promover, e recebeu uma enxurrada de críticas

(Foto: Reprodução)
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Era para agregar valor, mas soou como um tiro no pé. Dias após a tragédia em Brumadinho, considerada um dos maiores crimes social, humano e ambiental do Brasil, a marca de Cosméticos Jendayi produziu uma campanha de apoio às vítimas.

Na campanha, modelos – entre eles uma criança – são cobertos por lama, e aparecem chorando e enrolados em uma bandeira do Brasil. “O objetivo desta campanha é mostrar que existe uma marca de cosméticos que se preocupa com a beleza, a beleza da vida”, afirmava o texto da Jendayi Cosméticos nas redes sociais.

A campanha foi, porém, interpretada por internautas como oportunismo, e gerou uma série de críticas nas redes, o que levou a marca a retirar a publicação na noite desta segunda-feira 28.

O ensaio de fotos produzido pela Jendayi utilizou da tática publicitária conhecida como ‘anúncio de oportunidade’. A marca, empresa ou instituição manipula um evento ou data para marcar sua posição sobre determinado assunto, como quando uma marca faz um anúncio no Dia da Água para se associar a uma ideia ecológica e agregar valor ao produto.

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Segundo Pablo Nabarrete, professor do Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, na publicidade digital é cada vez mais comum que as empresas peguem carona em um assunto em alta para impulsionar por meio dos algoritimos a marca, o que é muito mais barato do que pagar para publicar um anúncio em outras mídias.

“Muitas vezes isso é feito de maneira inteligente e sem implicações éticas. Não foi o caso agora. Faltou reflexão ética do impacto social, humano e ambiental desse desastre, e entender que não era plausível falar do assunto. Inclusive do ponto de vista mercadológico o ganho não existe. A marca ficou em evidência, mas não teve êxito em construir uma boa imagem”, comenta o professor.

No texto, a Jendayi afirma que o ensaio foi produzido pelo fotografo Jorge Beirigo, com o intuito de “incentivar a todos a não desistirem desta luta, irem até o final, seja com orações ou doações”.

A imagem que uma empresa produz no ideário de cada um é uma das coisas mais importantes para determinar o seu valor. Nesse caso, não foi só a estratégia que falhou. A estética da campanha também foi considerada ofensiva e agressiva.

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A ciência mais utilizada para análises imagéticas de peças publicitárias é a semiótica, que trabalha com os signos das imagens. Esses signos remetem a algo que não está ali exatamente, mas o representa.

“O caráter concreto da lama, usada nas fotos, e que em Brumadinho deixou centenas de vítimas, é expropriado, deslocado do contexto do impacto humano e social da tragédia. Usa-se para promover uma marca, deslocando a ideia de que matou pessoas, animais, o meio ambiente”, explica Nabarrete.

Na década de 1990, a gigante Benetton passou a produzir anúncios com fotos de doentes terminais. Dessa vez não representada por atores, mas pelos próprios pacientes.

Na época as fotos foram consideradas uma publicidade diferente de tudo aquilo que já tinha sido feita até então. Deu certo por um tempo, mas depois começou a ganhar resistência e produzir uma reflexão sobre os limites éticos da publicidade.

O tempo real da internet não deu espaço para que o marketing da marca de cosméticos pudesse refletir sobre o mal estar que causou. O efeito instantaneamente negativo fez com que a empresa retirasse a campanha do ar, publicando um pedido de desculpas.

“A Jendayi Cosméticos vem por meio desta pedir desculpas pela má repercussão de campanha veiculada por nós. Em nenhum momento tivemos a intenção de ofender as vítimas do crime ambiental em Brumadinho. As fotos tinham intenção de protestar e jamais de se aproveitar da situação. Reiteramos nossos pedidos de desculpas às vítimas e a sociedade em geral por nossa campanha mal elaborada. Nossas mais sinceras condolências as vítimas e ajudaremos no que for possível.”

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