Diversidade

Um manual para as pessoas com pênis manterem a saúde em dia

Convidamos um médico urologista para responder algumas perguntas frequentes da população LGBT+ sobre saúde peniana

Saúde do pênis. Foto: Needpix.
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O médico urologista é responsável pelo cuidado das doenças do sistema urinário de homens e mulheres, mas também do aparelho reprodutor (pênis, testículos, escroto e próstata) de homens e mulheres trans. 

Por esse motivo, é um médico de confiança de pessoas que nasceram com o aparelho genital masculino, assim como ocorre com pessoas que nasceram com genital feminino no ginecologista. Mulheres trans que ainda não passaram por cirurgias de redesignação de sua genitália também possuem algumas queixas e exames preventivos que devem ser avaliados pelo urologista.

Hoje convidamos o médico urologista Dr. Francisco Fábio de Araújo Batista Júnior para responder algumas perguntas frequentes da população LGBT+ no consultório dessa especialidade.

1) Como saber se o tamanho do meu pênis é normal? Existe algum procedimento para aumento ou diminuição do tamanho do pênis?

O fato é que a maioria dos homens que buscam aumento do pênis tem um tamanho normal. Consideramos o micropênis verdadeiro aquele com comprimento flácido menor que 4 cm e ereto menor que 7,5 cm. A média do tamanho peniano é  de 13,1 cm de comprimento e de 11,65 cm de circunferência, porém homens que acham que seu pênis é menor do que a média representam 91% da população em geral. Como esse preconceito é mais proliferado pela pressão da sociedade, os homens estão cada vez mais buscando soluções médicas para tamanho “inadequado”.

Para o tratamento, podemos utilizar desde medicamentos, como Viagra, que melhora a performance, mas não alteram o tamanho, até dispositivos como bomba de vácuo, que podem aumentar temporariamente o tamanho do pênis ( +-1,5cm), ou a tração peniana, que pode aumentar em até 2,3 cm. Utiliza-se também procedimentos invasivos, como injeção intrapeniana de diversos materiais, alguns proibidos como silicone industrial, que na verdade aumentam o diâmetro peniano, alterando muito pouco o comprimento; e por último, alguns procedimentos cirúrgicos, desde enxertia de tecidos naturais ou artificiais, até implante de próteses penianas.

Mas lembrem-se, procedimentos invasivos apresentam uma vasta lista de complicações, que podem ser devastadores e incluem fibrose peniana, disfunção sexual, infecção e até morte.

2) O exame de toque é realmente necessário para prevenção de câncer de próstata?

Sim! O exame digital faz parte do exame físico urológico para pesquisa, não só do câncer de próstata, mas também de doenças benignas, como prostatite e alterações anatômicas. 

Lembrem-se: o câncer de próstata é a neoplasia maligna mais comum no homem, depois do câncer de pele não melanoma, e é a neoplasia que mais mata no Brasil, depois do câncer de pulmão. Pensando em saúde pública e no acesso à saúde, boa parte da nossa população não tem o acesso digno, portanto, na maioria das vezes, o toque retal é única ferramenta disponível como pesquisa inicial.  

3) O sexo anal sem preservativo pode ocasionar algum tipo de infecção urinária ou no pênis em quem está penetrando?

O sexo anal desprotegido pode trazer para ambxs os envolvidxs uma diversidade de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), dentre elas: HIV, gonorreia, clamídia, HPV, entre outras. Quem está penetrando tem um maior risco de desenvolvimento de prostatite, uretrite não gonocócica, epididimite e até infecção urinária comum – que na maioria das vezes pode se apresentar como sintomas crônicos como ardor ao urinar, urgência miccional e até dor pélvica. 

E um outro dado importante, na maioria das vezes, exames normalmente utilizados para o diagnóstico de infecções de urina, como exame de urina comum e o exame de cultura de urina, podem dar resultados falso negativos, o que dificulta ainda mais o diagnóstico e tratamento. Portanto, quando acometidos por infecções como essas,  esses pacientes necessitam de um tratamento mais prolongado e apresentam maior taxa de recorrência.

Uma boa dica para os praticantes de sexo anal desprotegido é SEMPRE urinar após o ato, para quem esta penetrando, e manter seu intestino sempre regulado e evacuar ou realizar a lavagem retal (chuca) antes do ato sexual para quem está recebendo. 

4) Tenho uns carocinhos na base da cabeça do pênis. Isso é normal?

Essas bolinhas na base da cabeça do pênis são chamadas de Pápulas Perláceas do pênis ou Glândulas de Tyson. São lesões benignas em forma de cúpula encontradas ao redor da coroa do pênis. Variam de 1 mm a 4 mm e estão dispostas em fileiras ao redor da coroa da glande.

Embora na maioria das vezes sejam assintomáticas, geralmente são confundidas com verrugas genitais, causando preocupações sobre ISTs.  Um estudo de Cingapura mostrou que aproximadamente um em cada sete homens, examinados em uma clínica de infecções sexualmente transmissíveis, tinha apenas pápulas perláceas e nenhuma infecção.

O diagnóstico diferencial inclui verrugas genitais, molusco contagioso, líquen, dentre outros.  No caso de dificuldade diagnóstica, a dermatoscopia e a biópsia são ferramentas úteis. Importante: as pápulas não evoluem para câncer e não possuem natureza infecciosa (contagiosa).

Portanto, as Glândulas de Tyson não precisam de tratamento, já que não são caracterizadas como doença. Porém, várias modalidades podem ser utilizadas para sua retirada basicamente para fins estéticos: desde terapias abrasivas com pomadas ou cremes,  até procedimentos como crioterapia, eletrocauterização, curetagem e terapia a laser, a fim de alcançar um resultado cosmético que satisfaça o paciente.

5) A cirurgia de fimose pode alterar meu orgasmo?

A cirurgia de fimose, que consiste na retirada do excesso da pele que cobre o pênis, chamada de prepúcio, pode sim alterar não só o prazer sexual, como também pode alterar a sensibilidade do pênis. 

Essa alteração é mais importante e considerável quanto mais velha a pessoa se submeter ao procedimento. Principalmente as pessoas que já tem uma vida sexual ativa,  pois já estão acostumadas a um certo tipo de prazer, portanto, se ela opta por realizar a postectomia, nome da cirurgia para fimose ou excesso de prepúcio, pode ter certeza que vai alterar seu prazer. Algumas pessoas relatam que há um aumento da sensibilidade, o que pode causar um desconforto com roupas íntimas e até gerar um quadro de ejaculação precoce. Já outras relatam uma perda ou diminuição importante no prazer. Isso se dá devido a uma exposição contínua da glande, cabeça do pênis, que é justamente o local com maior sensibilidade peniana. 

De fato, não temos como prever qual caminho você vai tomar, mas tenha certeza, pode sim haver uma alteração no seu orgasmo. Então esteja muito seguro na sua decisão se optar por operar.

6) Demoro demais para ejacular ou ejaculo muito rápido. Quando devo procurar ajuda?

Distúrbios sexuais são bastante comuns, principalmente em situações de estresse, como a que estamos vivendo atualmente em época de pandemia. O recomendado é procurar ajuda quando essa situação está causando um desconforto pessoal ou para os parceirxs sexuais. 

O mais comum dos distúrbios é a ejaculação precoce, que consiste na ejaculação que ocorre mais cedo do que o desejado, antes ou logo após a penetração, causando sofrimento a um ou ambos os parceiros. A etiologia exata da ejaculação precoce é desconhecida, mas causas psicológicas / comportamentais e orgânicas foram propostas. Consequentemente, o tratamento da ejaculação precoce é multidisciplinar. 

Outra disfunção bastante comum é a Anorgasmia que pode ser definida como uma inibição recorrente ou persistente do orgasmo, manifestada por sua ausência ou retardo em atingir o orgasmo. Pode ter fatores biológicos correlacionados, pode estar associado a efeito colateral de algum medicamento que você faz uso, assim como fatores psicológicos, por exemplo: se a pessoa apresentar sentimentos de culpa em relação atividade sexual, medo de não estar satisfazendo o parceiro, traumas relacionados ao sexo, como por ter sofrido algum abuso sexual ou até por ter tido relações dolorosas. 

Todo distúrbio sexual merece uma atenção especial, principalmente porque afeta mais de uma pessoa. Portanto, SEMPRE procure ajuda especializada. 

7) Produzo pouco ou muito esperma. Como saber se está normal?

Existe uma grande variabilidade no volume de sêmen produzido na ejaculação, com a média variando entre 1,5 e 6,6 ml.  3,5 mililitros é a média de um adulto sem ejacular por alguns dias, enquanto que 13 ml já foram registrados durante um longo período de abstinência! Portanto, o volume relaciona-se com a frequência de ejaculações, além de existir uma relação direta com fatores genéticos. Contudo, a maior parte do volume do sêmen é produzido pela vesícula seminal, responsável pelo aspecto espesso e leitoso do fluido, de coloração esbranquiçada ou amarelada. Portanto, quanto maiores suas vesículas seminais, provavelmente, mais esperma você vai ter. 

8) É verdade que se masturbar ou fazer muito sexo reduz o risco de câncer de próstata?

Algumas hipóteses mostram um papel protetor ao desenvolvimento do câncer de próstata relacionado a frequência ejaculatória moderada (4 vezes por semana).

Primeiro: a hipótese de que a ejaculação reduz a concentração de substâncias cancerígenas no líquido prostático. Segundo: ejaculação mais frequente pode reduzir o desenvolvimento de cristalóides intraprostáticos,  que são associados a maior risco de câncer de próstata  Terceiro: a mudança metabólica intraprostática gerada pela constante renovação dos líquidos prostáticos. 

Atenção: Pessoas com múltiplos parceiros podem ter um risco maior de câncer de próstata devido à exposição cronica a agentes infecciosos, as ISTs. 

9) Mulheres trans deve fazer prevenção de câncer de próstata?

Sim! Pensando no mecanismo de desenvolvimento do câncer de próstata, temos que ter duas condições iniciais: a primeira é que a pessoa ainda tenha a próstata, segundo é que para o crescimento desse câncer, pelo menos na fase inicial, sofre um grande estímulo pela testosterona.

Portanto, mulheres trans que ainda não se submeteram a cirurgia de redesignação de gênero, apresentam uma semelhança biológica com o homem cis, quando se trata do desenvolvimento do câncer de próstata, isso inclusive para aquelas mulheres trans que já fazem reposição de hormônios femininos desde cedo. 

Nas mulheres trans que já se submeteram a cirurgia, apesar da falta de estímulo da testosterona (que é diretamente influenciada pela presença dos testículos), ainda possuem a próstata, portanto ainda tem o risco de desenvolver o câncer. Por isso que recomendamos fortemente manter o seguimento com Urologista, lembrando que o médico Urologista cuida de homens e mulheres, sejam cis ou trans. 

10) Tenho dificuldade de ereção. Como saber se é psicológico ou não?

A dificuldade de ereção ou disfunção erétil é definida como a incapacidade persistente de atingir e manter uma ereção suficiente para permitir desempenho sexual satisfatório. Pode afetar a saúde física e psicossocial, assim como a qualidade de vida dos pacientes e dxs parceirxs. 

A disfunção sexual não deve ser considerada apenas como um problema de 

qualidade de vida, mas também como um alerta de uma potencial doença cardiovascular.

Na maioria dos casos, a disfunção erétil é multifatorial, tendo o componente psicológico um papel fundamental. 

Lembre-se, disfunção erétil é um sintoma, não uma doença. Alguns pacientes podem não ser avaliados corretamente ou não receber tratamento adequado para uma doença ou condição subjacente que esteja causando.

E o mais importante: a modificação do estilo de vida (exercício regular e perda de peso) pode melhorar a função erétil! Portanto, se você não apresenta nenhuma outra doença sistêmica (hipertensão, diabetes), e se você só tem dificuldade de ereção com alguns parceirxs, provavelmente sua causa é emocional/psicológica. Mas, o melhor diagnóstico e tratamento só é possível com um acompanhamento com uma equipe multiprofissional. 

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