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Psicologia e religião podem caminhar lado a lado, mas não se misturam
O espaço terapêutico não deve se tornar um lugar de proselitismo e afirmação de nenhuma corrente religiosa


“Não existe oposição entre Psicologia e religiosidade, pelo contrário, a Psicologia é uma ciência que reconhece que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na constituição da dimensão subjetiva de cada um de nós. A relação dos indivíduos com o “sagrado” pode ser analisada pela(o) psicóloga(o), nunca imposto por ela(e) às pessoas com as quais trabalha.” Nota pública do Conselho Federal de Psicologia de esclarecimento à sociedade e às(os) psicólogas(os) sobre Psicologia e religiosidade no exercício profissional
Iniciando no dia 23 e finalizando no dia 27 de agosto, Dia do Psicólogo, as eleições 2019 para as escolhas dos conselheiros do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) foram categóricas e deram uma corajosa resposta ao avanço do fundamentalismo religioso: ciência fica, conservadorismo sai!
Na terça-feira 27, os grupos do WhatsApp de psicólogas e psicólogos estavam bem animados. Com informações sendo alimentadas direto de representantes que estavam no CFP acompanhando a apuração. Contávamos cada minuto (que parecia uma eternidade) para conhecermos o resultado da consulta pública da categoria.
No estado de São Paulo, 26.497 psicólogos votaram, representando mais de 25% dos 101.377 eleitores do Brasil. A chapa que irá representar o CRP SP no próximo triênio (2020/2022) será a Chapa 12 – Diversa: em defesa da Psicologia e dos Direitos Humanos, eleita com 15.059 votos. Em segundo lugar, ficou a Chapa 11 – Renovação: Acorda Psicologia, com 9.057. Para a Consulta Nacional, a Chapa 21 – Frente em Defesa da Psicologia Brasileira, foi a vencedora, com 44.259 votos.
Em resumo: a democracia sobrepôs o fascismo, a laicidade derrotou o fundamentalismo, a ciência venceu o conservadorismo, a dialogicidade e a ética continuarão pautando a nossa profissão.
Ganhamos e ganhamos com força, mostrando que a psicologia resiste nesses tempos duros.
No ano em que completa 57 anos de regularização da profissão no Brasil, em 2019 a história da profissão mostra que o surgimento da Psicologia Social Comunitária, em meados de 1970, mudou o rumo das práticas, colocando psicólogas e psicólogos a serviço das demandas sociais e consolidando-se como um instrumento valioso na garantia e consolidação dos Direitos Humanos.
Estamos atravessando um período bem triste da história recente do Brasil, com o avanço do conservadorismo, a naturalização da mentira, a criminalização dos saberes científicos e a perseguição aos movimentos sociais e aos conselhos de classe/categoria.
Isso tem feito as pessoas adoecerem, comprometendo a saúde mental individual e coletiva, gerando angústia, depressão e suicídio.
Como psicólogo e religioso, acredito e defendo uma psicologia laica, plural, dialógica e científica.
Práticas místicas e às vezes muito cruéis como terapias de vidas passadas, “sessão de cura gay”, patologização das identidades trans, demonização das dependências de drogas, aplicação de passes, orações de libertação, não são instrumentos da Psicologia e devem ser duramente combatidas e denunciadas.
A religião e a prática da Psicologia devem estar absolutamente separadas. O espaço terapêutico não deve se tornar um lugar de proselitismo e afirmação de nenhuma corrente religiosa, embora deva respeitar a todas as comunidades de fé, inclusive a ausência delas.
O único livro de conduta que deve balizar a prática psicológica é o Código de Ética, norteando os princípios da profissão, resistindo e criando processos emancipatórios, reflexivos e organizativos.
Seria interessante que psicólogos e psicólogas continuassem insistindo no debate sobre a relação entre Psicologia e religiosidade, gerando elementos que contribuíssem com o debate público da categoria e da sociedade frente a esse tema, explicitando que não somos contrários que profissionais tenham suas crenças religiosas e sim que devemos zelar para que estes não utilizem suas crenças, de qualquer ordem, como ferramenta de atuação profissional.
Nós precisamos continuar crendo no poder transformador do diálogo e num amanhã melhor do que hoje. Nós precisamos ter ousadia e esperança.
Defender a democracia é um dever ético para a Psicologia.
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