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O Plano ABDE 2030 de Desenvolvimento Sustentável

Trata-se de um esforço de retomar os debates sobre estratégias de planejamento para aceleração do desenvolvimento sustentável, em linha com o Plano Biden e o Green New Deal

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A Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) lançou, em março deste ano, o Plano ABDE 2030 de Desenvolvimento Sustentável[1]. A ABDE, que congrega os membros do Sistema Nacional de Fomento (SNF), grupo composto por bancos de desenvolvimento, agências de fomento, bancos comerciais com carteiras de desenvolvimento, bancos cooperativos, além da Finep e do Sebrae, desenvolveu o plano com o intuito de intensificar a contribuição dessas instituições para o cumprimento das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), traçada pela Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

O Plano ABDE 2030 representa um esforço de retomar os debates sobre estratégias de planejamento para aceleração do desenvolvimento sustentável, em linha com o Plano Biden nos Estados Unidos e o Green New Deal na União Europeia. Trata-se de um documento de propostas que visa potencializar a colaboração do SNF no alcance dos ODS e das metas da Agenda 2030.

O Plano está dividido em duas partes. Na primeira, foram realizados uma breve análise sobre o cumprimento dos ODS no Brasil e o mapeamento da atuação do SNF nas dimensões ambiental, so­cial, econômica e institucional da Agenda 2030. Na segunda, o Plano ABDE 2030 inova ao propor políticas estruturadas em missões, como propõe a professora Mariana Mazzucato, do IIPP do University College London.

Parte I: O SNF na Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável

O SNF tem forte capacidade de impacto em vários ODS. Estudo conduzido pela ABDE e PNUD demonstrou que os ODS com maior participação no fomento do SNF são os ODS8 (Tra­balho decente e crescimento econômico), com 24,3% (2020) e 22% (2021), e ODS9 (Indústria, inovação e infraestrutura), com 23,7% (2020) e 24% (2021). Mas cabe destacar também a participação de outros ODS nos anos de 2020 e 2021, em especial o ODS7 (Energia limpa e acessível), com 10,7% e 14%, o ODS2 (Fome zero e agricultura sustentável), com 8,7% e 9,3%, e o ODS10 (Redução das desigualdades), com 8,1% e 9,3%, o que refor­ça o potencial de contribuição do SNF para um desenvolvi­mento mais inclusivo, sustentável e inovativo.

Grande parte das instituições do SNF se encontra em está­gios iniciais de internalização da Agenda 2030. A partir do perfil de alocação de seus recursos, nota-se que há espaço para ampliar o conhecimento sobre efeitos entre os ODS e o risco de agendas trans­versais serem ignoradas no financiamento de outros temas (diversidade, desigualdade, gênero, raça, trabalho de qualidade e outras).

No que diz respeito ao desempenho do Brasil no cumprimento das metas de cada ODS, analisando os indicadores coletados pelo IBGE e por outras instituições, verifica-se que a maior parte das metas dos ODS sofreram retrocessos com a pandemia da Covid-19, além de grandes disparidades regionais também chamarem a atenção.

No eixo Ambiental (ODS 6, 13, 14 e 15), em 2019 o fluxo global anual total de fundos para a proteção da biodiversidade foi de aproximadamente US$ 124-143 bilhões por ano versus uma necessidade anual estimada de US$ 722-967 bilhões para conter o declínio da biodiversidade global de agora até 2030. A atuação do SNF, seja no financiamen­to ou na estruturação de projetos, pode contribuir para aumentar o volume de recursos públicos e privados disponíveis, destravando investimentos nos setores ligados aos ODS ambientais.

Em relação ao eixo Social (ODS 1, 2, 3, 4, 5 e 11), o SNF tem papel decisivo para desencadear uma dinâmica virtuosa de desen­volvimento sustentável e inclusivo, especificamente no que diz res­peito às microfinanças – a exemplo da ação do BNB no microcrédito e de cooperativas de crédito – e ao acesso a serviços sociais, infraestrutura básica, novas tecnologias, meios para produção e tecnologias de informação e comunicação.

No eixo Econômico (ODS 7, 8, 9, 10 e 12), o SNF tem papel crucial no apoio à diversificação produtiva e au­mento da complexidade econômica ao possibilitar a ampliação da capacidade produtiva da indústria de transformação, principal­mente, indústrias de maior intensidade tecnológica. Cabe destacar o papel do SNF no financiamento à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e inovações direcionados à saúde, bem como o apoio a modernização e melhoria da infraes­trutura de saúde nos estados e municípios. Essas ações têm importantes efeitos cruzados com outros ODS, como o apoio a obras de saneamento básico e água potável.

Por fim, nos últimos anos verificou-se retrocesso no cumprimento dos ODS do eixo Institucional (ODS 16 e 17), de forma que o Brasil tem ainda um longo caminho a percorrer no que se refere à redução da violência, melhoria no acesso à cidadania e fortalecimento institucional do Estado, queda da atividade econômica, aumento do desemprego e saída brusca de capitais estrangeiros do Brasil.

Parte II: Como o SNF pode acelerar e dar escala à implementação dos ODS no Brasil

O Plano ABDE 2030 usa a abordagem de políticas orientadas por missões para guiar o SNF na construção de uma estraté­gia capaz de potencializar seu papel no fomento ao desen­volvimento sustentável. A proposição de missões busca enga­jar os atores do SNF no enfrentamento de grandes desafios que podem transformar os padrões de produção, distribuição e con­sumo em vários setores e grupos sociais em prol da geração de valor, inclusão e sustentabilidade.

A definição das missões seguiu o diagnóstico dos ODS no Brasil. Cada missão buscou motivar o avanço em dois ODS principais, mas levando em consideração o potencial da missão de impulsionar outros ODS.

O objetivo de cada missão aponta para o nível estratégico da intervenção. Os pro­jetos potenciais representam diferen­tes caminhos possíveis para se alcançar o objetivo da missão, enquanto as propostas representam a forma como os projetos podem ser levados adiante.

1- Missão Futuro digital, inteligente e inclusivo

A agenda de digitalização é essencial para o desenvolvimento, sendo guiada pela geração de empregos (ODS8) e inovações (ODS9), no apoio às cidades inteligentes (ODS11), com potencial para reduzir desigualdades raciais (ODS10) e de gênero (ODS5).

Essa missão tem como premissa o impulso para a inovação induzido pela inclusão da diversidade de gênero e raça. O investimento na indústria 4.0 e na digitalização deve ser acessível para empresas de diferentes portes e considerar diferenças regionais. O protagonismo de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na economia e na resiliência das IFDs é um elemento fundamental para uma atuação eficiente das instituições na agenda sustentável.

 

2- Missão Ecossistema de inovação em bioeconomia e para a Amazônia

A bioeconomia oferece oportunidades para o Brasil promover o crescimento e gerar empregos (ODS8) em bases sustentáveis, além de melhorar a qualidade de vida da sociedade e proteger o meio ambiente (ODS15). Essa missão contribui para a solução de desafios sociais e ambientais (ODS11 e 13) ao promover o acesso à terra cultivável por pequenos produtores de comunidades tradicionais (ODS5 e 10).

O fomento se justifica pelo elevado potencial de inovação tecnológica associado à bioeconomia, que está diretamente relacionada à manutenção de ativos ambientais (sequestro de CO², ciclagem de nutrientes, provisão de água, entre outros).

 

3- Missão Agronegócio engajado

Essa missão contempla a cadeia de valor do agronegócio, setores da agropecuária, indústria de transformação, agricultura fa­miliar e outros. As transformações no campo podem mitigar mudanças climáticas (ODS13) e os padrões de consumo e produção responsáveis têm forte relação com o meio rural (ODS12). Considerando a importância da agricultura, o projeto sugere três estratégias principais:

1) Fortalecer as cadeias de valor da agricultura familiar;

2) Moderni­zar a produção com máquinas e equipamentos, infraestrutura de logística, armazenamento, distribuição e comer­cialização;

3) Promover o reflorestamento.

4- Missão Infraestrutura e cidades sustentáveis

Essa missão tem o objetivo de reduzir as desigualdades regionais por meio da urbanização inclusiva e sustentável. O potencial que a transformação de cidades (ODS11) tem para acelerar o cumprimento da Agenda 2030 é reflexo do elevado efeito multiplicador da provisão de acesso à água e saneamento (ODS6) e à infraestrutura em geral (ODS7 e 9).

5- Missão Saúde como motor do desenvolvimento

A missão tem o objetivo de fortalecer a integralidade e universalidade do sistema de saúde no Brasil, com o desafio de ampliar e melhorar os serviços de saúde ao mesmo tempo em que investe no fortalecimento das bases que sustentam o Complexo Econô­mico-Industrial da Saúde (CEIS), contribuindo para o desen­volvimento econômico do País. O CEIS tem elevado potencial de geração de emprego formal (ODS8) e inovação (ODS9). Por se tratar de setores de alta complexidade, apresentam menor intensidade de emissões de gases (ODS13).

O Plano ABDE 2030 é um passo inicial no esforço de revigorar o debate sobre o planejamento do desenvolvimento no Brasil, e traz contribuições relevantes para a discussão das políticas de desenvolvimento do País. As 5 missões abrem oportunidade para uma contri­buição transformadora do SNF em áreas centrais para o desenvol­vimento sustentável. Contudo, a regulação atual restringe as IFDs no desenvolvimento e uso de instrumentos financeiros inovadores e compatíveis com o desafio da sustentabilidade.

Esperamos que o plano enseje novas rodadas de debates sobre as propostas metodológicas e de políticas, visando maior aprofundamento e refinamento. O desafio é grande, mas o Brasil tem capacidade de enfrentá-lo.

[1] Sob a coordenação da professora Karin Vazquez, pesquisadores de várias instituições colaboraram para a elaboração do plano (Luma Ramos, Lavinia Barros de Castro, Cristina Froes de Borja Reis, João Prates Romero, Fernanda Cimini Salles, Fabrício Silveira, Samara Cristina Vieceli Piacenti, Guilherme Gonçalves Dias, Julia Mello de Queiroz, Marcio Alvarenga Junior, Camila Rizzini Freitas, Leonardo Barcellos de Bakker, Liziane Silva, Natália Gradin, Martha Silva, Ivan Aires).

[i] Clique e saiba mais sobre o Observatório da Economia Contemporânea no site do Instituto de Economia da Unicamp

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