Midiático

Um olhar crítico sobre mídia, imprensa, internet e cultura pop.

Midiático

Método Rodriguinho: no Brasil, a misoginia é forma de poder

Sob o pretexto de ‘não falei para ofender’ ou do ‘isso é conversa de homem’, faz-se da misoginia uma ferramenta de dominação

Foto: Reprodução/ TV Globo
Apoie Siga-nos no

Mesmo sob o escrutínio de centenas de câmeras da autoproclamada casa “mais vigiada do Brasil”, parte dos homens do BBB24 exibe uma surpreendente tranquilidade ao falar sobre corpos femininos como se estivessem falando de um objeto. Ignorando as consequências negativas vistas em edições anteriores do programa, persistem em declarações machistas. Esse padrão revela não apenas falhas individuais, mas o reflexo de uma cultura mais ampla que tolera e, em alguns casos, até incentiva, esse tipo de comportamento, desafiando os esforços contínuos em prol da igualdade de gênero.

No Brasil, a misoginia é exercida enquanto forma de poder. Não é apenas expressão de preconceito, é também uma forma de controle, opera enquanto instrumento de dominação. E a televisão brasileira tem, com crescente frequência, lançado um véu sobre o problema disfarçando-o sob o manto do entretenimento. A objetificação e desrespeito às mulheres não são apenas exibidos, mas normalizados em nome da audiência. O comportamento de pessoas como Rodriguinho, direcionando comentários sobre como Yasmin Brunet deve se alimentar ou sobre como seria o ideal de corpo para ela, é uma manifestação explícita dessa cultura misógina. Longe de ser mero entretenimento, o BBB24 é um espelho preocupante de valores sociais distorcidos, onde o desrespeito às mulheres é tolerado e trivializado.

É o “Método Rodriguinho”. Sob o pretexto de “não falei para ofender” ou do “mas isso é conversa de homem”, faz da misoginia ferramenta de dominação. O método consiste em comentários e atitudes que diminuem e objetificam as mulheres, refletindo uma postura de superioridade masculina. Rodriguinho, ao criticar e julgar o corpo e comportamento de Yasmin Brunet, não apenas expressa sua visão misógina, mas impõe um padrão. E, convenhamos, fora das câmeras, há um bocado de Rodriguinhos andando por aí.

Enquanto a misoginia for reduzida a mero entretenimento, continuaremos a testemunhar e, pior, a normalizar, a perpetuação de desequilíbrios e violências

As falas de Rodriguinho incluem comentários baseados em critérios superficiais, sempre de forma depreciativa. Suas observações sobre o peso de Yasmin são indicativos de uma mentalidade que associa o valor da mulher à sua aparência física e sua capacidade de se enquadrar em padrões estéticos restritivos. Ironicamente, embora imponha padrões estéticos rigorosos sobre Yasmin, ele próprio se distancia dos tipos ideais que propaga, destacando a natureza arbitrária e unilateral desses julgamentos. 

Quando homens à exemplo de Rodriguinho fazem comentários depreciativos sobre mulheres, eles não estão apenas manifestando uma visão distorcida sobre elas; estão tentando estabelecer uma dinâmica de força onde suas perspectivas e julgamentos são colocados acima da dignidade e autonomia das mulheres. O jogo é agravado pelo ambiente de um reality show, onde os comportamentos são transmitidos para milhões de espectadores sem um firme contraponto, o que termina por reforçar a ideia de que as atitudes são aceitáveis ou até mesmo normais. Essa é uma violência que não aparece apenas como ato isolado de preconceito, mas como parte intrínseca de uma estrutura social mais ampla e que busca manter desequilíbrios de poder baseados no gênero.

O padrão que existe no BBB não é o dos corpos defendidos por Rodriguinho, mas o da masculinidade tóxica que insiste em aparecer em todas as edições do programa. Esses homens muitas vezes se sentem compelidos a exibir uma masculinidade rústica e dominadora, expressando-se de maneira que sugere uma superioridade inata sobre os outros, principalmente as mulheres. Operam sob a falsa premissa de que possuem um conhecimento inatingível pelos demais. Um dos participantes da edição, no primeiro dia de programa, ao se apresentar aos colegas, sugere que seu nome pode ser difícil de pronunciar, oferecendo uma alternativa simplificada: “Podem me chamar de Niza”. O nome dele, no entanto, possui uma letra a mais somente: Nizam. Do exemplo micro ao macro, se perpetua assim uma dinâmica de poder desequilibrada, reforçando estereótipos de gênero prejudiciais.

O que também precisa ser trazido ao debate é a postura da Globo diante das manifestações de misoginia no Big Brother Brasil 24. A emissora tem se limitado ao discurso de promoção do debate, admitindo que as cenas ajudam a combater posturas semelhantes, o que, na prática, não é suficiente para justificar uma aparente inércia frente ao comportamento tóxico de alguns participantes. Ao esperar que tais atitudes tornem-se parte de um processo democrático e educativo corre-se o risco de normalizar a agressão e a violência de gênero e transmiti-la ao vivo. As intervenções pontuais de Tadeu Schmidt limitam-se a expressões sérias e discursos enigmáticos.

A discrepância aparece na abordagem da TV Globo ao ver um dos confinados mencionar marcas comerciais e nomes de políticos. Boninho, o Big Boss prontamente interfere e intervém quando. Se omite, no entanto, diante de abusos psicológicos e declarações misóginas, o que sugere uma priorização das preocupações comerciais em detrimento da responsabilidade social.

Em última análise, o BBB24 expõe uma verdade desconfortável sobre nossa sociedade: a misoginia, embalada como entretenimento, continua a ser transmitida e tolerada. A passividade diante de comportamentos tóxicos reflete uma cultura que ainda hesita em confrontar e desmantelar estruturas de poder baseadas na opressão de gênero. Enquanto a misoginia for reduzida a mero entretenimento, e não tratada como a grave questão social que é, continuaremos a testemunhar e, pior, a normalizar, a perpetuação de desequilíbrios e violências de gênero. O desafio não está apenas dentro dos muros do BBB, mas nas mãos de cada telespectador, na sociedade como um todo, que deve se questionar e agir contra essas dinâmicas nocivas. O silêncio e a inércia são cúmplices da perpetuação. 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo