Midiático
Um olhar crítico sobre mídia, imprensa, internet e cultura pop.
Midiático
Compartilhar para falar mal. Apenas parem
Ao compartilhar nas redes sociais conteúdo do qual você não gosta, mesmo que para criticar, você legitima o veículo ou colunista como um pólo de discussão


“Que capa absurda! Vou denunciar como a revista X é mentirosa!”
“Ridícula a reportagem desta TV! Vou descer o pau!”
“Esse colunista fulano é um imbecil! Vou acabar com ele!”
Pode apostar: a revista, a TV e o colunista em questão agradecem de coração a sua divulgação. Graças a atitudes assim eles seguem firmes no centro do debate. Tanto faz se quem divulgou os aprova ou critica. A cada clique no “compartilhar” do Facebook (ou a cada retweet etc) eles pautam mais gente, inclusive você e a sua rede de conhecidos.
E não interessa o comentário que acompanha o link. Compartilhar é reconhecer a importância. É legitimar. A mensagem passada para toda a sua rede de conhecidos é: esse veículo (ou articulista) é o fórum adequado para se debater determinado assunto. Pouco importa se as opiniões serão, em sua maioria, contrárias ou favoráveis. O que interessa é que inevitavelmente todo debate se dará a partir do ponto de vista da revista, da TV ou do colunista do qual você não gosta.
Eles serão o ponto de partida, e tudo o que vier a seguir vai girar em torno deles.
Alguns dirão: “Mas existem encurtadores que criam um link que não gera audiência para o site tal. Então posso espalhar à vontade o conteúdo que o fulano não vai ganhar nenhum clique a mais.”
Verdade. É o que faz, por exemplo, o popular Naofo.de, que tem o sugestivo slogan “Encurtador higiênico de chorume”. Ao usar esse serviço e seus similares, seus contatos verão o conteúdo sem, entretanto, dar audiência para o site-destino. Funciona assim: a ferramenta gera uma cópia idêntica à página que você quer divulgar. Gera também um link encurtado para essa cópia. É ele que você usará para espalhar o conteúdo. Ao clicar no link, seus amigos verão uma página igualzinha ao endereço original, só que o site real não ganha nenhum acesso.
A invenção é interessante, mas ela embute uma armadilha.
Acontece que, com o advento destes encurtadores “higiênicos”, as pessoas estão sentindo-se ainda mais estimuladas a divulgar “chorume”. É um efeito colateral terrível que, que torna ainda mais inóspitas as TLs mundo afora, e de quebra, dá ainda mais cartaz e respaldo para quem você não gosta.
Acredite: evitar dar audiência é o de menos. O ponto central é o seu aval. E ele segue intacto, com ou sem o repasse da audiência.
Por outro lado, é compreensível o argumento de que às vezes “não dá para aguentar”. Em alguns casos o conteúdo nos revolta tanto que nos sentimos “obrigados” a criticá-lo publicamente.
Para esses momentos de crise, sugiro um exercício que leva poucos segundos e é de extremo valor: da próxima vez que for clicar no “compartilhar” do seu Facebook ou dar um retweet: pare, respire e se faça a seguinte pergunta: “essa pessoa ou veículo merece MESMO ainda mais divulgação e ainda mais legitimidade entre os meus amigos, familiares e colegas de trabalho?”.
Em geral, não vale a pena.
Acredite, nesse caso o dito popular “falem mal, mas falem de mim” funciona. E muito. Já passou da hora de mudar de estratégia. Basta lembrar qual a TV, o jornal, a rádio ou a revista mais poderosa do Brasil. Qual sua opinião sobre elas?
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