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Café com Ana Maria Braga revela a síndrome de Peter Pan dos ex-BBBs

Com um discurso pronto, Nizam Hayek e outros eliminados recorrem à narrativa de aprendizado para justificar suas atitudes machistas, como se ainda tivessem 12 anos

Nizam Hayek chora durante entrevista ao comentar sobre atitudes machistas no BBB24. Foto: Reprodução/ Rede Globo
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Em seu matinal na Globo, Ana Maria Braga tem apontado uma tendência intrigante entre os recém-eliminados do Big Brother Brasil: a Síndrome de Peter Pan. Confrontados sobre seus comportamentos machistas, estes homens – o último com mais de 30 anos de idade – recorrem à narrativa de um eterno aprendizado e amadurecimento, como se tivessem 12 anos. O café da manhã com Ana Maria revela como, ao invés de assumirem plenamente a responsabilidade por suas ações e palavras, eles preferem se abrigar na conveniência da imaturidade e na falsa promessa de um crescimento que nunca se concretiza.

O bate-papo com Ana Maria ganhou ares de laboratório social por ter os eliminados em um dos seus momentos mais críticos: no dia seguinte à eliminação, poucas horas após os participantes deixarem o programa. Estão, na maioria das vezes, despreparados para o escrutínio público, munidos apenas de orientações superficiais sobre como navegar nesta primeira interação pós-BBB na TV aberta. É neste cenário, entre o café e as câmeras, que Ana Maria Braga tenta desdobrar camadas expondo a realidade de posturas e declarações, oferecendo ao público um vislumbre das personalidades e percepções por trás das máscaras forjadas pelo jogo. A falta de preparo dos eliminados para este momento de confronto direto revela mais do que respostas ensaiadas: desvenda a realidade de como lidam com o impacto e as repercussões de suas ações sob a pressão iminente do julgamento público.

Confrontados com as consequências de posturas machistas, os homens repetidamente recorrem a um discurso de aprendizado e desconstrução. É como se estivéssemos conversando com pobres vítimas recém-chegadas ao mundo real. As pessoas que afirmam estar aprendendo e se desconstruindo são como Nizam Hayek, de 32 anos, eliminado no domingo 21. Nascido e criado na Mooca, em São Paulo, a trajetória pessoal e profissional do Executivo de contas internacional com educação em Gestão Comercial desmente a tentativa de escudar-se na ingenuidade ou na falta de experiência. Estamos falando de homens adultos, plenamente capacitados e inseridos em contextos sociais e profissionais que deveriam apresentar não só um entendimento, mas também uma prática de respeito. Ainda assim, assistimos a uma apresentação recorrente de justificativas onde a retórica de “aprender com os erros” chega a ofender. Ao atribuir suas falhas ao processo de aprendizagem, esses homens não apenas falham em assumir a responsabilidade total por suas ações, mas também desviam o foco do verdadeiro problema: o machismo arraigado.

Após uma jornada turbulenta no Big Brother Brasil 24, Nizam Hayek deixou o programa com ares de vilão. Seu desempenho no reality foi marcado não apenas por ações explícitas, mas também por omissões que, de maneira igualmente significativa, endossavam o machismo na casa. Sem tempo suficiente para um preparo adequado ou uma reflexão profunda antes da entrevista com Ana Maria Braga, ele recorreu a um script típico de contenção de crises. Emocionado, repetia frases como “fui machista, infeliz, ridículo”. A repetição dessas expressões, embora indicasse o reconhecimento de suas falhas, deixava transparecer uma falta de compreensão mais profunda sobre a gravidade e o impacto de suas ações.

Hayek buscou alinhar sua retórica à redenção, articulando frases como “pra aprender a gente tem que errar” e “entender, reconstruir, olhar daqui pra frente”, tipo de argumento frequentemente empregado para justificar comportamentos machistas. Sugere que os erros cometidos – que, neste caso, são ações e atitudes prejudiciais e discriminatórias – são meras etapas inevitáveis no caminho do aprendizado. Não são. Essa é uma lógica que minimiza o impacto real e duradouro desses comportamentos nas vítimas e posiciona o agressor em um papel de aprendiz, quase inocente, cujas ações são desculpáveis em nome de um suposto crescimento pessoal. Discurso que perpetua a ideia de que a sociedade deve ser tolerante e paciente com atitudes machistas enquanto os homens “aprendem” a se comportar de maneira adequada.

A insistência de Nizam em olhar para o futuro, expressa pela frase “eu não posso mais olhar pra trás”, revela outro aspecto preocupante, a ideia de deixar os erros do passado para trás. A abordagem peca ao esconder uma resistência sutil, mas significativa, em enfrentar integralmente as consequências das ações. Ao priorizar o “seguir em frente”, há um apagamento conveniente dos impactos reais de suas atitudes. O machismo, enraizado e perpetuado por séculos, não pode ser desfeito simplesmente por uma vontade de “olhar para o futuro”; exige uma análise crítica e profunda do passado e do presente. Ignorar esta necessidade é perpetuar um ciclo de transgressões seguidas de desculpas superficiais, onde a verdadeira transformação nunca ocorre.

Cada vez que Nizam Hayek tentava se afastar do script elaborado por seus conselheiros de comunicação, os resquícios de um machismo inerente apareciam de maneira mais explícita. Em dado momento, ele sugeriu que o seu verdadeiro erro foi ter ocultado comentários machistas das mulheres na casa. Com uma confiança equivocada, declarou que, se tivesse compartilhado essas opiniões com elas, “as meninas super entenderiam” – afirmação prontamente contestada por Ana Maria Braga, que, severa, replicou: “Acho que não”. A declaração de Nizam subestima a gravidade de suas palavras e revela uma compreensão distorcida e minimizadora do machismo, como se fosse algo passível de ser simplesmente entendido ou perdoado pelas mulheres.

Em outro ponto da conversa, ele se desviou da autocrítica ensaiada do “fui machista, infeliz, ridículo” e trivializou suas ações como um mero “vacilo”. A mudança de tom, do reconhecimento para a minimização, evidencia uma falha em compreender a profundidade e o impacto do machismo nas suas atitudes, reduzindo transgressões sérias a simples deslizes. Vacilo é não ter dinheiro para pagar a fatura do cartão de crédito, esquecer a data de vencimento e pagar com multa. Machismo não é vacilo.

Na tentativa final de desvencilhar-se das acusações, Hayek trouxe sua história pessoal, alegando ter crescido sofrendo bullying por ser de família árabe. Tentar justificar ou minimizar o machismo a partir de suas próprias experiências desvia o foco da discussão central, que é o impacto prejudicial de suas ações e palavras sobre as mulheres. Esse modelo de retórica, que busca simpatia ou compreensão para desvios de comportamento baseando-se em experiências pessoais, é um exemplo de como os mecanismos de defesa podem ser empregados para evitar enfrentar as verdadeiras questões. A desconstrução do machismo requer mais do que palavras; exige uma compreensão genuína dos seus efeitos e uma ação concreta para combatê-los, algo que vai muito além de simplesmente invocar experiências pessoais como justificativa.

No final das contas, um padrão pode ser identificado: os participantes eliminados por comportamentos machistas, como Nizam Hayek e Lucas Pizane, recorrem à estrutura patriarcal como um meio de justificar suas posturas. Pizane, eliminado antes de Nizam, em sua entrevista com Ana Maria Braga, admitiu ser “frouxo em não se opor” às falas misóginas sobre as mulheres do programa. Declaração com aparente autocrítica que, na realidade, perpetua a cultura patriarcal ao sugerir que a inação é um mero sinal de fraqueza, e não uma participação ativa na manutenção do machismo.

Ao se definir como “frouxo”, minimiza sua responsabilidade, sugerindo uma passividade em vez de reconhecer a cumplicidade. A cultura patriarcal fornece a desculpa conveniente para a perpetuação do machismo. Ainda que esses homens reconheçam suas falhas, a forma como moldam suas justificativas continua a refletir e a reforçar as estruturas de poder e dominação que sustentam o machismo na sociedade. A luta contra o machismo no BBB e além dele não é apenas sobre eliminar comportamentos flagrantemente ofensivos, mas sobre desafiar e transformar estas narrativas e justificativas que permitem que tais comportamentos persistam.

Eles ainda não entenderam que a responsabilidade de aprender a respeitar e a tratar as mulheres como iguais não deve ser uma jornada sem fim, mas requisito básico e imediato para qualquer pessoa. A sociedade não pode mais se dar ao luxo de ser complacente com a lentidão desse processo de “aprendizado”, especialmente quando cada atraso perpetua o ciclo de machismo e desigualdade. A hora de homens adultos assumirem a responsabilidade integral por suas ações e palavras não é um ponto futuro indefinido – é agora.

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