Justiça

‘Não sei se vão sobrar políticas de Assistência Social’, afirma Márcia Lopes

Ex-ministra alerta para o desmonte da Assistência Social no país

Márcia Lopes
Apoie Siga-nos no

O Brasil deixou o Mapa da Fome da (ONU) (Organização das Nações Unidas) em 2014. De acordo com o Ipea, (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com dados de 2001 a 2017, muito deste feito foi graças ao amplo alcance do Bolsa Família, que, durante os 18 anos de vigência ajudou a diminuir a pobreza em 15% e a pobreza extrema em 25%. Em meio a esse cenário, o desmantelamento de políticas públicas traz imensas preocupações A Rede Lado entrevistou a assistente social, ex-Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no Brasil, Márcia Lopes.

“A área de Assistência Social assim como a área de Segurança Alimentar no Brasil está completamente desmantelada. As cozinhas comunitárias, os restaurantes populares, a própria agricultura familiar e outros sistemas que atendem ou deveriam atender a população estão sem apoio federal, sem recursos.  Com isso e com a crise sem precedentes, a população começou a sentir fome. A Assistência Social é um sistema complexo assim como a saúde, a educação… Se falta estrutura, a população vai sentir”, afirma

Um país entra no Mapa da Fome quando atinge o número de 5% da população em situação de carência alimentar. Hoje, segundo o “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil” feito pera Rede Pessan (Rede de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), no Brasil, cerca de metade da população sofre com algum tipo de insegurança alimentar. O número de pessoas passando fome saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões em apenas dois anos.

“Estão desmontando a política de Assistência Social no país”

A pandemia agravou os números, mas a fome não voltou com ela. Em 2019 (antes da Covid-19), o número de crianças que fizeram três refeições no dia chegou a 28%, esse número diminuiu para 21% em 2020. Já em 2018, o índice era de 62%, os números são do Ministério da Saúde.

“O que precisam entender é que a Assistência Social é uma política de Estado e não de Governo. O Bolsa Família, por exemplo, exigia as crianças nas escolas, frequência escolar, acompanhamento às gestantes, vacinas completas; ou seja, era um conjunto de medidas. Nunca foi só sobre erradicar a fome. Vários indicadores da ONU, da FAO (Organização para Alimentação e Agricultura) mostraram que era um programa eficaz de transferência de renda,” reitera a ex-Ministra.

Após 18 anos, o Bolsa Família foi extinto em 2021 e substituído pelo Auxílio Brasil, que tem um programa de transferência de renda que pode durar até dezembro de 2022. Entretanto, não só o Bolsa Família sofreu com o desmantelamento. Programas de políticas públicas também foram finalizados ou estão no processo de finalização. Caso do programa Luz para Todos, que será extinto em 2022.

 

“Não sei o que seria se não fossem os movimentos sociais”, Márcia Lopes.

Márcia Lopes integra também a Frente Nacional em Defesa do SUAS e da Seguridade Social e conta como os trabalhadores e trabalhadoras desta área têm se organizado. Entre 15 e 18 de dezembro de 2021, ocorrerá o 12o Conferência Nacional de Assistência social com o tema “Direito do povo e Dever do Estado, com financiamento público para enfrentar as desigualdades e garantir a proteção social”, em Brasília.

Não só os profissionais da Assistência Social, mas também vários participantes de movimentos sociais estão integrando ações para garantir alimento na mesa da população. Caso do próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra, que, somente em abril deste ano, nas Jornadas de Luta em defesa da Reforma Agrária, doou mais de 100 toneladas de alimentos pelo Brasil. Durante a pandemia, o MST doou mais de 5 mil toneladas de alimentos.

Sandra Ferrer é produtora rural no assentamento Eli Vive (PR) e uma das diretoras do MST no Paraná, conta que durante a pandemia, o objetivo do movimento foi se aperfeiçoar nas produções e, por conta do momento pandêmico, doar parte dos alimentos à população foi natural. “Nós do MST decidimos fazer uma ‘quarentena produtiva’, já que não podíamos sair para nossas atividades. Então, além dos cuidados, decidimos nos dedicar ainda mais a nossa produção. Vimos que podíamos doar parte da nossa colheita, já que era notável a necessidade da população em ter alimentos de qualidade, “afirma.

Além das políticas públicas já citadas, outro programa que teve poucos recursos durante a pandemia foi o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). “Está difícil de conseguir recursos do Pronaf… Não tínhamos que ver gente passando necessidade desta maneira com o tanto de comida que ainda podemos produzir. O projeto de Reforma Agrária é para matar a fome no mundo todo, não só no Brasil, isso sim tinha que ser visto pelos nossos governantes,” diz Sandra Ferrer.

Márcia Lopes reitera que essa e outras questões envolvendo políticas públicas questão não serão resolvidas de forma fácil após 2022, mesmo que outro governo seja eleito. “Os dados são dramáticos. Se continuarmos assim, vamos ultrapassar os 20% da população passando fome. Isso soma cerca de 40 milhões de pessoas. É inaceitável.”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo