Justiça

Justiça do Trabalho, Ministério Público e associações profissionais: novos horizontes

No quadro de desalento frente a tantos retrocessos em direitos trabalhistas, surgem alternativas para a representatividade dos interesses coletivos dos trabalhadores.

Entregadores fizeram manifestações em 2020 por direitos trabalhistas. Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
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O mês de junho começou com duas novas derrotas da classe trabalhadora no Supremo Tribunal Federal. Primeiro, o fim da ultratividade das normas coletivas. Depois, a prevalência do negociado sobre o legislado. Ainda que pareçam temas pontuais e específicos a quem milita na Justiça do Trabalho, não são casos isolados e indicam uma tendência. Resultam de um movimento articulado nos últimos anos e que exige como resposta a participação de novos atores na defesa dos direitos de trabalhadoras e trabalhadores.

A história é bem conhecida: a contestação ao resultado das urnas na eleição presidencial de 2014 indicava anos duros para a classe trabalhadora. A partir do golpe contra a Presidenta Dilma, setores do submundo intelectual trabalhista projetaram o desmonte do sistema de proteção aos trabalhadores, que teve como ponto mais evidente a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), que ampliou as possibilidades de precarização do trabalho e estrangulou os sindicatos profissionais.

A Justiça do Trabalho, que até 2017 participava de forma ativa na defesa dos direitos sociais, ombreava com a sociedade e a advocacia na manutenção das normas de proteção aos trabalhadores. O Ministério Público do Trabalho, os Sindicatos e Associações Profissionais, de igual sorte, atuantes na defesa da classe trabalhadora, viviam momento de pujança e valorização institucional.

No entanto, a partir da Lei 13.467/17 e com a posterior guinada neoliberal e fascista consolidada nas eleições de 2018, as mesmas forças institucionais arrefeceram. Atacadas, priorizaram a preservação institucional, sem o necessário enfrentamento das inovações legislativas que suprimiram direitos sociais.

Instituições premidas pelo risco iminente de desvalorização – seja por cortes orçamentários ou pela ameaça de extinção – formaram pequenas ilhas de defesa dos direitos sociais. Alguns juízes e juízas se destacaram na resistência à Reforma Trabalhista. Não mais do que uma dezena de Procuradores do Trabalho efetivamente enfrentaram a reforma e suas medidas precarizantes. Questionamentos à Reforma eram rebatidos com insuspeito viés de legalidade, como se a então lei reformista não fosse, em sua essência, contrária aos princípios constitucionais.

No espaço coletivo, tanto sindicatos quanto associações foram enfraquecidos pela Reforma. Em parte, pelo esvaziamento da sustentação financeira compulsória, mas também por reiterados ataques midiáticos, amparados no discurso de meritocracia individual e de descrédito de lideranças sindicais.

A crise econômica e o desemprego em massa, resultado da política de Temer e Bolsonaro, colocaram na informalidade trabalhadores, que encontraram em plataformas digitais de trabalho alternativa para a sobrevivência. Nesse ambiente moderno e tecnológico, o vínculo de emprego e as relações previdenciárias sofreram novo ataque, com a negativa de vínculo e a exclusão da proteção social para a multidão de trabalhadores precarizados.

Pois é justamente desse quadro de desalento para milhões de brasileiros em idade economicamente ativa que surgem alternativas para a representatividade dos interesses coletivos dos trabalhadores.

O campo do trabalho digital em plataformas ampliou o debate entorno da tecnologia como nova roupagem para a disputa entre capital e trabalho no século XXI. Promessas de liberdades e ganhos econômicos nada mais são do que espaços de manutenção do tecido social, com trabalhadores precarizados, empregados de segunda classe, sem direitos.

Estudos como o Fairwork (projeto de pesquisa vinculado à Universidade de Oxford, realizado em mais de 25 países) demonstram que plataformas reproduzem mundialmente um vazio de condições dignas de trabalho, contradizendo a máxima de que para todo trabalho devemos ter direitos correspondentes.

Assim, a Justiça do Trabalho depara-se com uma nova realidade, na qual o trabalhador tem sua atividade dirigida por um algoritmo, sem talvez jamais conhecer pessoalmente seus superiores hierárquicos. O Ministério Público do Trabalho passou a investigar a ação das empresas como a Uber, que faz acordos para evitar derrotas em processos e impedir a formação de jurisprudência desfavorável, para que não se reconheçam direitos trabalhistas a seus motoristas.

Diante desse novo quadro e da dificuldade do Judiciário e do MP responderem com a agilidade necessária aos tempos atuais, vale ficar atento à ação de associações que representam trabalhadores, como os coletivos de trabalhadores de aplicativos.

Entregadores de aplicativos fazem manifestação em São Paulo. Foto: Djalma Vassão/FotosPublicas

Outro caminho é o que se inicia em ações avulsas, como o Breque do Apps e Apagão dos Apps, por exemplo, mas que poderiam atingir melhores resultados caso contassem com o suporte de associações específicas para esse fim.

Nesse contexto, no campo do Direito Coletivo, sindicatos e associações ganham novo papel, como aglutinadores das inconformidades da classe trabalhadora e agentes da defesa coletiva das questões sociais e trabalhistas. É na união de trabalhadores que o Direito do Trabalho e a proteção social ressurgem.

As associações civis profissionais, autorizadas, têm legitimidade para representar judicial ou administrativamente seus filiados, não concorrendo com as atividades privativas dos sindicatos. Assim, entende-se possível a ação coletiva da associação profissional, regularmente constituída, para a tutela de direitos de seus associados, membros de determinada categoria profissional, notadamente, quando voltadas para a defesa dos trabalhadores à margem da categorização formal.

Busca-se, no plano do direito processual do trabalho, trazer para o âmbito do Judiciário mais um partícipe atuante e, por vezes, com maior conhecimento da realidade e das condições de trabalho, permitindo demandar em juízo na defesa dos direitos sociais dos integrantes de seus quadros associativos.

A proposta inova e traduz a célebre lição de Rui Barbosa, para o qual “o direito não jaz na letra morta das leis: vive na tradição judiciária que as atrofia, ou desenvolve”.

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