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Eleições da OAB e política de cotas: rumo a uma transformação necessária

É preciso dar um basta ao apagamento de advogados negras e negros na entidade

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É chegado o fim do triênio de 2019/2021 e com isso, neste mês de novembro, as 27 subseções da OAB se preparam para mais uma eleição.

Dando efetividade à Resolução 05/20 do Conselho Pleno da OAB Nacional de 14/12/2020, as eleições deste ano devem se submeter à reserva de vagas que resguardem critério de gênero e de raça. Assim, as chapas inscritas para participar da disputa deverão obedecer a uma composição paritária de gênero, além de serem integradas por, pelo menos, 30% de pessoas negras.

Embora a concretização de uma política afirmativa inclusiva seja sempre salutar, em especial em um país herdeiro de quatrocentos anos de escravização e detentor do quinto lugar no ranking de feminicídios no mundo, a iniciativa não pode ser como a Lei Feijó de 1831, só para inglês ver. A questão carece de uma análise crítica mais aprofundada, seja pela demora em sua implementação, seja pelo alcance restrito, seja pelo desvirtuamento identificado entre o objetivo do sistema de vagas e a limitação imposta pela entidade.

Assim, embora a política de cotas venha sendo aplicada no Brasil há 18 anos, apenas a partir de 2021, os critérios de gênero e raça passam a ser considerados pela OAB para a eleição do Conselho Federal, chapas nas eleições das seccionais, subseções e Caixas de Assistência.

No que se refere ao combate à discriminação racial, é importante dizer que, por mais que se reconheça a importância da adoção da política de cotas para composição da OAB, ainda são necessários avanços mais profundos, principalmente diante da mais completa ausência de dados com perspectiva de cor dentro da entidade.

O total desconhecimento acerca da cor da OAB é sintoma expressivo quanto ao apagamento do advogado e da advogada negra dentro Ordem.

Ora, se desde 2003 o sistema de cotas raciais vem sendo aplicado, tendo início com o pioneirismo da UERJ no vestibular de 2003 ao adotar reserva de vagas para estudantes autodeclarados negros, pardos e vindos da rede pública de ensino, e se solidificando em definitivo com a promulgação da Lei 12.711/2012, até hoje o exame da OAB é desracializado, tendo como critério apenas e tão somente “nota de corte” do candidato.

Ocorre que, se o intuito é alçar negras e negros a espaços de poder, em reparação histórica ao racismo estrutural experimentado no país, o hiato entre o ingresso na faculdade e o ingresso na Ordem não pode ser desprezado pela entidade. Isso porque, se os 18 anos de cotas raciais têm servido à instrumentalização da igualdade material, é certo que o ingresso na carreira ainda é um voo solo.

E não é só. Para que a festa da cidadania seja de todas e todos, o convite deve a eles chegar. Assim, as pessoas com deficiência, que não foram incluídas nas políticas da OAB, contam apenas com promessas de convite, existindo um Projeto de Lei em andamento, o PL 2617/19, com a proposta de determinar que os escritórios de advocacia e as unidades da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) promovam a inclusão de advogados e funcionários com deficiência em seus quadros.

Por sua vez, quando a análise das eleições se dá sob uma perspectiva de gênero, é basilar debater o fundamento da política de cotas e a que ela se presta.

Diz-se isso porque paridade de gênero, interpretada sob o ponto de vista meramente formal, necessariamente resulta em fixar um teto para a ocupação da entidade quando, em verdade, o que a política afirmativa tem como gênesis é a inserção de mulheres, tantas quanto possível, nos mais diversos espaços de poder, dentre eles a OAB.

É certo que, desde a Constituição Federal de 1988, muita coisa deveria ter mudado no Brasil para fazer valer o fundamento da dignidade da pessoa humana firmado no seu artigo 1º, inciso III, e realizar os objetivos fundamentais estabelecidos no artigo 3º, da construção de uma sociedade livre, justa e solidária; da redução das desigualdades sociais e regionais e da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Em 2021, no entanto, o compromisso é coletivo e aqueles que dele não são signatários já não encontram espaço em um Estado que se propõe democrático.

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