Justiça

Desafios da advocacia trabalhista frente às investidas do Capital contra direitos trabalhistas

A ironia dos tempos atuais é que os escritórios patronais deixaram de ser tão necessários aos patrões e têm sido dispensados.

Trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão (Foto: Ascom/MPT Bahia)
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“O verdadeiro teste ético não é apenas a prontidão para salvar as vítimas, mas também – e ainda mais – a dedicação implacável aniquilando aqueles que os tornaram vítimas”

– Slavoj Žižek

A erosão das condições de mediação democrática dos conflitos, a partir do golpe parlamentar/midiático de 2016, que apeou do governo central a Presidente eleita, Dilma Rousseff, propiciou uma reorganização da ação política do Capital e do estabelecimento, a fórceps, de sua agenda.

A Reforma Trabalhista de 2017, em franco antagonismo ao Estado Social desenhado na Carta Política de 1988, traduz-se na face mais destacada desta investida. Gestada pelo Capital, foi aprovada sem qualquer diálogo com os trabalhadores e suas organizações, num conluio entre a ampla base parlamentar conservadora, empresariado e grande mídia corporativa, como solução milagrosa para o desenvolvimento econômico e para a geração de empregos.

Nada mais falso, como a História – essa “velha senhora teimosa” – foi capaz de demonstrar. Além de não produzir resultados relevantes no crescimento econômico e na geração de emprego, o que se viu foi a perda de direitos trabalhistas, a precarização e o barateamento da força de trabalho, a fragilização das organizações sindicais e do acesso dos trabalhadores aos átrios da Justiça Obreira, numa clara mitigação do constitucional direito de ação.

É nessa quadra que se viu a advocacia trabalhista. Dividida, num primeiro momento. De um lado aqueles, de viés patronal, que festejaram as “inovações” trazidas pela Reforma, mormente ante a ampliação do alcance dos honorários sucumbenciais, que passou a ser também devido pelos trabalhadores vencidos em suas pretensões, bem como pelos patrões em ações ajuizadas sem a assistência sindical.

De outro, aqueles, de viés obreiro, que resistiam à Reforma e já vislumbravam uma expressiva diminuição no quantitativo de ações, principalmente em razão da limitação da gratuidade de justiça somente àqueles trabalhadores que auferissem remuneração em monta inferior a 40% do teto do INSS (que corresponde a R$ 2.258,32, já que o atual limite máximo do RGPS é de R$ 5.645,80) e da possibilidade destes serem condenados no pagamento de honorários sucumbenciais, em valores, por vezes, superiores aos próprios créditos trabalhistas, ou, pior, em hipóteses de improcedência total da ação.

Novamente, a História – implacável como só ela é capaz de ser – tratou de dissipar as vãs expectativas de melhora nos ganhos dos advogados trabalhistas em decorrência da generalização dos honorários sucumbenciais. O que se viu, em inquestionáveis dados estatísticos (vide gráfico retirado dos dados do aplicativo de jurimetria Datalawyer), foi uma expressiva queda no número de ações trabalhistas a partir da vigência da Reforma Trabalhista.

Com isso, perdem todos: trabalhadores e advogados, laborais e patronais. Sim, pois, com a queda do número de ações, muitos escritórios patronais tiveram seus contratos revistos, com a diminuição de honorários contratuais e até com o encerramento de contratos. Só os patrões ganharam: diminuíram o passivo trabalhista e, de tabela, os gastos com seus advogados. Triste ironia.

Como efeito colateral, mister que se diga que a diminuição do número de ações fragilizou ainda a própria posição da Justiça do Trabalho, cuja estrutura tornou-se ociosa em muitas Varas, o que fortaleceu o discurso de seus detratores quanto à desnecessidade dessa Justiça especializada.

Neste sentido, mostra-se alvissareira a recente declaração de inconstitucionalidade, por parte do Supremo Tribunal Federal, havida na ADI 5766, das normas trabalhistas alteradas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) atinentes a gratuidade da justiça dos trabalhadores que comprovassem insuficiência de recursos. Na prática, restabeleceu-se o direito de ação dos trabalhadores a partir da presunção de veracidade das declarações de hipossuficiência financeira firmada por eles, para fins de concessão da gratuidade de justiça, e da vedação da condenação dos agraciados pela gratuidade no pagamento de honorários sucumbenciais.

Tal Decisão se contrapõe a dezenas de outras, tomadas por este mesmo STF, que fragilizaram a posição dos trabalhadores nas relações de trabalho, sendo as mais emblemáticas a validação da terceirização em atividades fins, a prevalência do negociado pelo legislado e a proibição da ultratividade das normas coletivas.

De todo modo e para não dizer que não falei das flores, a Reforma Trabalhista e toda essa investida do Capital sobre os direitos trabalhistas e sociais, como um todo, bem como seu franco ataque ao próprio Estado Democrático de Direito trouxeram também valiosos ensinamentos para o conjunto dos operadores do direito e principalmente para os advogados trabalhistas.

Independentemente do viés, patronal ou laboral, é necessário fomentar e exercitar uma advocacia comprometida com uma ética social, como topos hermenêutico de sua ação, quer seja contribuindo para o aperfeiçoamento da função social do trabalho, à partir de uma advocacia preventiva nas Empresas, de combate ao “vale tudo” ao “ganho a qualquer custo”, ou mesmo, do ponto de vista da advocacia laboral, no ajuizamento de ações consistentes e prenhes de juridicidade e relevância social, em detrimento de ações temerárias, que se afiguram, muitas vezes, em verdadeiras “aventuras jurídicas”.

Mas é necessário unir os divergentes para travar o bom combate contra os antagônicos, ou seja, aqueles que atentam sistematicamente contra o Estado Democrático de Direito, contra as elites seculares – gananciosas e escravocratas ainda nos dias de hoje – contra os que intentam a derrubada dos direitos sociais e do trabalho e o fim da Justiça Obreira.

É preciso, ainda, cerrar fileiras dentro do próprio Sistema de Justiça, em todos os seus níveis, permeado, nos últimos tempos, por um obscurantismo pseudo-legalista, e torná-lo, novamente, a “cidadela da cidadania”, para que a Constituição não seja reduzida a um “cadáver insepulto”, na eloquente imagem criada pelo Professor Fábio Konder Comparato.

Este é desafio posto e ao qual devemos responder: Presentes!

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