Justiça

Ao se negar a ouvir e atender movimentos sociais, a Justiça do Trabalho aprofunda sua crise

Mutilação dos direitos trabalhistas e distanciamento de medidas sociais tem esvaziado órgão de sentido

Ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Emmanoel Pereira (2022-2024). Foto: Fellipe Sampaio/TST
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A Justiça do Trabalho regula as relações entre o trabalho e o capital, atuando na promoção e manutenção da paz social. Cuida das questões trabalhistas e sindicais previstas no capítulo dos Direitos Sociais, que junto com dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, os de Nacionalidade, os Direitos Políticos e de Partidos Políticos, integram o título dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição federal de 1988.

Direitos sociais não se realizam sozinhos, sendo as suas inter-relações que mantém o pacto no Estado Democrático firmado no preâmbulo da nossa Constituição, para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Não somos brasileiros por causa do carnaval e do futebol, mas por este compromisso com a democracia e garantias humanitárias do nosso povo – criador e destinatário das normas jurídicas resguardadas pelo sistema de Justiça.

É o povo que cria as leis, seja por impulso dos seus representantes ou diretamente, através dos meios constitucionais de iniciativa popular. É o povo nas ruas que tem o poder de dizer como quer ser regulado, dando legitimidade à produção jurídica, para garantir que uma lei “pegue”.

Os movimentos sociais são o termômetro das relações de poder da nossa sociedade, atestando o funcionamento da democracia e precisam interagir entre eles e com as instituições para realizarem as transformações que desejam.

A centrais sindicais e movimentos sociais protestaram em 2018 contra a terceirização.

A Justiça do Trabalho conversa, primordialmente, com as empresas e os trabalhadores, diretamente ou por intermédio dos entes sindicais, no cumprimento do seu papel institucional. Trabalhadores são pessoas que dependem de transporte, políticas de inclusão, habitam um espaço, expressam-se culturalmente, manifestam suas questões humanitárias de gênero, raça, cor, religiosidade, têm famílias, votam. Empresas interferem no meio ambiente onde se instalam, na vida das comunidades e na política e economia.

Para que as decisões sejam justas, é preciso conhecer o mundo além dos muros dos fóruns judiciais, o que não se faz somente por palestras em eventos anuais de atualização dos servidores com ou sem toga.

Nos 80 anos de existência da Justiça do Trabalho no Brasil, completados em 2021, destaca-se o período de expansão, logo após a promulgação da Constituição de 1988, marcado pela criação de Tribunais Regionais e instalação de Varas do Trabalho em todo o território nacional e a ampliação da competência para além dos trabalhadores encaixados na relação de emprego clássica definida na CLT, à medida em que conquistavam direitos com sua luta.

Com isto, vieram as várias ameaças de extinção, mas em todas elas, os movimentos sociais se uniram na defesa da justiça especializada, entendendo sua importância na distribuição da renda expropriada dos trabalhadores, que sem salário justo nem condições adequadas, têm ameaçada a própria existência.

A destituição do projeto político de base democrática que buscava o bem-estar social, em 2016, abriu caminho para a reforma trabalhista de 2017, marcada pela redução do acesso à justiça, sob as bênçãos do Supremo Tribunal Federal, minando o princípio da proteção ao trabalhador.

Michelle Bolsonaro é condecorada pelo Tribunal Superior do Trabalho na Ordem do Mérito em 2021. Foto: Dimmy Falcão

A redução do poder dos sindicatos, com o fim do imposto sindical e as limitações ao exercício do direito de greve minam enfraquecem a negociação por melhores salários e condições de trabalho.  Em 2018, entra em cena um governo voltado para o fortalecimento do capital financeiro e o abismo se aprofunda.

A Justiça do Trabalho fecha cada vez mais portas aos trabalhadores, inclusive pelo conteúdo das suas decisões, além de atuar com obsessão para reduzir o número de processos, apagando seu poder de atuação na sociedade.

Em 2018, foram quase 40% a menos de processos ajuizados que nos anos anteriores. Vale a sincera reflexão se os conflitos deixaram de existir ou se esses trabalhadores deixaram de buscar seus direitos.

A precarização escancara suas garras. Gente acuada a abrir empresa para camuflar a contratação de seus serviços pessoais, sem poder de negociar, na chamada “pejotização”, passando à tutela da Justiça Cível. O trabalho na informalidade cresce, como o dos motoristas e entregadores de aplicativos, com raríssimas decisões de reconhecimento de vínculo, no Brasil.

Novas formas de escravidão, a exemplo das chamadas “fazendas de cliques”, contratando gente para comentar e curtir perfis de celebridades, com jornadas exaustivas e adoecimento, em troca de migalhas e sem esperança de reconhecimento da condição de trabalhadores. Nas relações de emprego formal, permanece com as mulheres pretas o posto de menores salários e as mulheres continuam ganhando menos que homens, embora ocupem os mesmos cargos.

Enquanto isso, o perfil da magistratura brasileira levantado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018 revelou ser ainda majoritariamente formado por homens, brancos, católicos, casados e com filhos.

No livro Justiça do Trabalho: 80 anos de Justiça Social, na realização das gestões de 2005 até o momento, apenas a que teve à frente o Ministro Carlos Alberto Reis de Paula (2013/2014), não colocou como estrela os feitos digitais, destacando medidas sociais como a implementação do Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho e a reserva de vagas para afrodescendentes nos contratos de prestação de serviços continuados e terceirizados, no âmbito da Justiça do Trabalho de 1º e 2º graus. Não causa espanto o recuo do valor social do trabalho e o avanço na proteção ao capital.

Sem o reconhecimento da natureza trabalhista das relações precarizadas, com base nos princípios da Constituição e dos Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário e sem considerar a complexidade das questões sociais envolvidas nessas relações, o diálogo com os movimentos sociais perde o sentido. Por outro lado, sem essa troca, a sua desumanização aponta para o fim da Justiça do Trabalho no Brasil ou a redução considerável de sua atuação.

É urgente abrir espaços de diálogo institucional com os movimentos sociais, como política prioritária das gestões do judiciário trabalhista, resultando ações e decisões que voltem a equilibrar a balança naturalmente desigual, de modo a evitar a tirania, a exploração e os excessos derivados do exercício do poder econômico, consagrando a luta pela dignidade da gente que vive do trabalho neste país.

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