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Afasta da EBC esse cale-se

Por meio de censura a jornalistas, veículos públicos de comunicação negam existência da ditadura militar

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Passadas cinco décadas e meia de uma ditadura militar de longos 21 anos, caracterizada por torturas, assassinatos, ataques às liberdades e violação sistemática dos direitos humanos, o Brasil assiste à retomada de posições institucionais que lembram o regime inaugurado em 1 de abril de 1964.

Se as declarações do presidente Jair Bolsonaro de que não houve ditadura no Brasil, mas alguns “probleminhas” e a determinação para comemorações pelos quartéis já eram uma afronta imensurável à memória e história brasileiras, o cenário se agrava com o aparelhamento ideológico dos veículos da Empresa Brasil de Comunicação, que amplificam a voz do presidente e ocultam manifestações contrárias.

Conforme denúncia feita pela Comissão de Empregados/as da EBC e pelos Sindicatos de Jornalistas e Radialistas do Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo, nos conteúdos jornalísticos que tratam sobre a Ditadura de 64, produzidos pelos jornalistas dos veículos da empresa pública de comunicação, expressões significativas estão sendo alteradas com o propósito de referendar a posição de Bolsonaro.

Em uma das matérias alvo da censura atual, por exemplo, o termo “ditadura” aparece apenas no título e no primeiro parágrafo, mas justamente com o sentido oposto: o de negar a existência, como defende Bolsonaro, da própria ditadura.

A mesma matéria cita uma ação de parentes do jornalista Vladimir Herzog, com o objetivo de impedir as celebrações da ditadura, mas não relembra que Herzog foi preso, torturado e assassinado pela Ditadura. Ainda no texto, palavras como “período militar” e “levante militar” buscam dar “leveza” e negar a história, numa postura semelhante à da Folha de S. Paulo quando chamou a ditadura de “ditabranda”, em um editorial de fevereiro de 2009.

Conforme jornalistas da EBC ouvidos pelo blog, o cerceamento ao trabalho dos profissionais da empresa pública de comunicação, nesse episódio, começou depois que o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros comunicou, no dia 25 de março, que Jair Bolsonaro não considera que houve um golpe em 1964 e que havia autorizado “comemorações devidas” à data.

Os profissionais confirmam também que, em outra matéria publicada na Agência Brasil, a expressão “golpe de 64” escrita na versão original, foi substituída por “comemorações do dia 31 de março de 1964”. Informações adicionais sobre fatos históricos do período, como o fechamento do Congresso Nacional, suspensão de direitos civis, além de referências ao relatório final da Comissão Nacional da Verdade e aos dados oficiais sobre mortos e desaparecidos não apareceram ou foram retirados da edição final em outras matérias.

As matérias também não dão relevo ao posicionamento do Ministério Público Federal que, com base na ideia de que a liberdade de expressão não pode ser um argumento para violar outros direitos, recomendou às unidades das Forças Armadas não realizarem manifestações públicas em comemoração ao golpe militar.

Como exemplo dos tentáculos da censura na EBC, os demais veículos públicos (TV Brasil e rádios) sequer veicularam matérias próprias sobre as declarações do porta-voz da Presidência, mas apenas reproduziram o texto da Agência Brasil, único conteúdo daquele dia autorizado a ser publicado.

Além da comissão de empregados da empresa e sindicatos representativos, as medidas absurdas da EBC geraram notas de repúdio do Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Por meio de sua Comissão Permanente de Comunicação e Liberdade de Expressão, o CNDH classificou o que se passa na EBC como “um crime contra a história e a memória brasileira”.

As atuais práticas de censura numa instituição fundamental para a democracia brasileira como a EBC confirmam o projeto de desestruturação da comunicação pública, em curso desde o período de Michel Temer e aprofundado pelo governo Bolsonaro.

Do período Temer, foram emblemáticas nesse sentido: a demissão arbitrária do então presidente da empresa, Ricardo Melo, com apenas cinco dias de governo interino, ferindo a legislação; a Medida Provisória 744, convertida depois na Lei 13.417 que, dentre outras coisas, extinguiu o Conselho Curador, instância de participação social na gestão da EBC; a redução dos investimentos financeiros; e as inúmeras denúncias de assédio moral contra trabalhadoras e trabalhadores dos meios públicos.

Já no atual governo, além das repetidas declarações do próprio Bolsonaro que apontam para a intenção de fechamento da EBC, outro fato sintomático da censura vigente foi a denúncia contra a presidenta do Conselho Curador cassado por Temer, Rita Freire, convocada a depor na Delegacia Especializada em Crimes Cibernéticos da Polícia Federal, em São Paulo, no último mês de fevereiro, por ter criado um site para arquivo da memória das ações e iniciativas do Conselho.

Também representativo dos perigos do projeto em curso foi a decisão, em janeiro deste ano, foi o encerramento de programas das emissoras da EBC, a exemplo do Sem Censura, um dos mais antigos da televisão pública brasileira, veiculado há 34 anos. O recado que ali se anunciava, é confirmado agora: com Bolsonaro, é com censura.

***

Pela memória de Vladimir Herzog, David Capistrano, Maurício Grabois, Pedro Pomar e todos os jornalistas defensores da liberdade de expressão, silenciados e assassinados pela Ditadura Militar, não devemos ter dúvidas: é preciso repudiar a Ditadura de 64 e defender a EBC contra a censura.

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