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Feminismo sem eufemismo

Façamos a revolução pelas mulheres que movimentaram sistemas políticos, sociais e econômicos pelo mundo, sejamos feministas

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No último dia 8 de março, em São Paulo, o Fashion Revolution participou do encontro promovido pela Universidade Estadual de Campinas e o Ministério Público do Trabalho, e estivemos juntas num momento em que falamos sobre a possibilidade de experimentar e combinar poderes entre mulheres. É sobre essa ideia de experimentar e combinar poderes que apresento meu ponto de vista sobre feminismo na moda, protagonismo coletivo como forma de promoção do feminismo e como movimentos de mulheres fazem toda a diferença. Desde já, por tudo, Fernanda Simon, e como diria a própria, gratidão!

Lá no evento, uma frase pairou sobre o público: “tudo que é feminino é feminista”. E ela surge em meio a uma crítica apresentada pelo Leandro Karnal, quando comentava sobre semântica e consciência coletiva, chamando nossa atenção para que identificássemos como palavras, distintas da palavra feminismo, são muitas vezes usadas para negar a existência do próprio feminismo, afastando lutas como as que debatem a identidade de gênero, da construção de gênero e das múltiplas lutas contra as discriminações.

Talvez, e essa foi minha indagação, todas as pessoas que militam pelo feminismo entendem a importância das palavras e do uso da palavra feminismo como uma necessidade e como obviedade. Mas reflitam comigo sobre isso, pensem no mundo da moda e indaguem sobre a obviedade ou não dessa ideia, porque momentos de debate sobre direitos provocam em nossos pensamentos e atitudes várias reflexões.

No mundo da moda, e no mundo em geral, é teimoso o lugar onde se coloca o “feminino”, palavra aqui usada com sentido que respeita questões de luta do feminismo. O lugar é bem definido, basta uma simples pesquisa em qualquer das ferramentas de busca na internet.

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Semelhante a outros sistemas econômicos, o lugar presente desses corpos é, muitas vezes, o lugar da commodity, da mercadoria produtiva e reprodutiva da estética fashion. E me refiro a estética fashion pensando na arte e estilo que surgem em desfiles, coleções, revistas e todos os modais de comunicação e consumo possíveis.

O conceito de ética fashion

A estética fashion precisa assumir seu feminismo, precisa pensar em lados com a filosofia, com a ética e com a economia, criando a ética fashion, dimensão que sintetiza muito o que o insumo de trabalho que o Fashion Revolution apresenta como a revolução na moda. A história de caminhada do Fashion Revolution Brasil é parte da história dos movimentos coletivos feministas, porque conta com uma rede que mobiliza-se através de pessoas que se engajam, militando e trabalham para produzir conhecimento e falar com toda a sociedade sobre como podemos pensar a moda e o consumo consciente.

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Mas um alerta: o feminismo no mundo da moda precisa também “modular” seu lugar, de preferência ampliando seu espaço de fala, dividindo seu espaço de fala, e, se preciso, cedendo seu lugar de fala, na medida em que a exploração do feminino na moda não afeta mulheres economicamente estáveis e envoltas por redes que as amparam. Porque para essas mulheres, que ocupam lugares de poder, o que cabe no corpo e lugar que habitam é experimentar seu feminismo, entendendo que ele é igualdade social, política e econômica, e que se concretiza quando decisões de poder dentro da cadeia de valor do mercado da moda assimilam esses valores.

A exploração do feminino na moda passa pelas mãos, pelos corpos e pela vida de mulheres invisíveis, moradoras das periferias pelo mundo, traficadas pelo mundo, escravas em todo o mundo. São brasileiras, migrantes ou refugiadas, negras, brancas, amarelas, veganas ou famintas, todas economicamente vulneráveis e imersas num mundo onde nem sempre há redes de mulheres que as alcance.

Criarmos redes possíveis de apoio, criarmos cooperação, conectarmos profissionais das mais variadas atuações, dentro e fora da cadeia de valor do mundo da moda, é o caminho que entendo viável para que uma ética fashion tome o seu lugar.

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E não foi por outra razão que nesse texto cito o evento do dia 8 de março, ainda que eu cite a fala de um homem, porque a lembrança daquela fala sobre semântica surge para ressaltar que tudo que desejamos depende, fundamentalmente e profundamente, da assunção do feminismo sem eufemismo.

A garantia de direitos sociais, em disputa no Brasil, é o equilíbrio sustentável para a economia e para a sociedade, é a linguagem que precisa ser desvendada e separada dessa semântica conflituosa que coloca a história desses direitos em negação e, na minha opinião, de forma nada estratégica para diretrizes de desenvolvimento em todo o mundo.

Feminismo no mundo da moda

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Fazer com que o feminismo aconteça também no mundo da moda depende de uma revolução comportamental, através do despertar para uma responsabilidade que ampara e luta por quem conhecemos e por quem nem imaginamos que exista, tendo a certeza de que agindo como feminista acabamos por impactar todo mundo.

Para além da cooperação, como uma grande amiga comentou, precisamos mesmo de arquétipos, de atitudes que aceitem o pluralismo político do feminismo como prática relacional. Engajar-se a si própria como feminista é o primeiro passo para engajarmos a todxs nós, promovendo com isso um pensamento diverso e uma inteligência coletiva.

Movimentos como o Fashion Revolution são feministas e, por isso tudo, ser feminino é ser feminista. Façamos essa revolução pelas mulheres que movimentaram sistemas políticos, sociais e econômicos pelo mundo, sejamos feministas, encarando essa condição de forma tão natural quanto o ato de vestir-se cotidianamente.

Por essas e outras razões, apoiar e participar de movimentos como, por exemplo, o #JuntasImpactamos, e convido a conhecerem esse movimento – no Instagram (Juntas_Impactamos) e Facebook (Juntas Impactamos) -, que engaja mulheres que acreditam em justiça social, criam laços de amparo e lutas coletivas, importa!

Demorei 42 anos para entender-me feminista… uma vida, minha vida… eu sei. Não entendia outras mulheres, sobrevivi as mulheres de minha vida, me dei conta que convivi com todas e que sem elas eu jamais seria quem eu sou. E tenho hoje a certeza intuitiva de que jamais caminharei pela vida sem elas, ainda bem! A digressão pessoal é só para lembrar que feminismo é um exercício psicanalítico também, e que não importa quando você fará esse exercício, importa que você o faça…

Observação: hoje, dia 30 de março, não considere ser um dia que marca o fim do mês da mulher, e falo isso por dois motivos: primeiro, porque lutar por direitos sociais é algo que nos motiva desde que passamos a compreender os desafios de conviver coletivamente; segundo, porque convido vocês a conhecerem a Lei Federal 6.791 de 1980, que cria o dia 30 de abril como o Dia Nacional da Mulher, vale buscar a história dessa lei… vocês entenderão porque o “mês” da mulher não acaba em março.

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