Fashion Revolution

Vestir é político: a moda e seus símbolos

A moda como uma expressão do nosso eu, é a camada do corpo que causará a primeira impressão sobre outros

(Foto: Instituto Zuzu Angel)
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Eu não fui votar de vermelho. Apesar de votar em um bairro seguro, as agressões políticas naquele momento não estavam limitadas a um ambiente social definido. Vestir vermelho era a afirmação de um posicionamento político, mesmo sem a intenção de fazê-lo.

Independentemente da mensagem que queremos passar com o que vestimos, essa mensagem vai chegar ao nosso interlocutor através das referências dele. Assim funcionam os meios de comunicação: verbal, não verbal, escrito. Mas o que tanto podemos dizer através das nossas roupas?

Começamos a nos cobrir enquanto ser  primitivo para nos protegermos do frio, mas não há dúvida que em um curto espaço de tempo após a invenção do primeiro traje de pele, teria-se criado a distinção entre os bons caçadores e os que não mostravam aptidão para tal feito. Assim já se pode dizer que uma classe dominante foi definida.

A necessidade de uma autoafirmação se estruturou ao longo da Idade Média e se materializou no Renascimento, com a intensificação da rivalidade entre as classes. A realeza estabelecia leis que limitavam ou proibiam o uso de determinadas peças e materiais por outros estratos sociais, conseguindo assim criar a sensação de exclusividade e objetos de desejo, que no fim não eram apenas objetos: a roupa era a própria diferenciação da sua função e poder na sociedade. Logo após a corte lançar uma novidade, a aristocracia copiava e em seguida a burguesia, como forma de forjar uma posição de maior grandeza.

Se começamos a nos vestir para nos proteger do frio, depois para afirmar uma posição social, hoje as possibilidades que a roupa representa são infinitas.

A moda como uma expressão do nosso eu, é a camada do corpo que causará a primeira impressão sobre outros. Mais do que a nossa própria pele, a roupa, como uma extensão do corpo, acompanha nossas transições de personalidade, humor, valores, identidade e é usando-a como ferramenta, consciente ou inconscientemente, que declaramos a que grupo pertencemos dentro da sociedade.

Contudo, vestir para pertencer a um grupo pode ser entendido como uma forma de desindividualizar. Nos damos conta então de que estamos usando um uniforme. Para os militares, os uniformes são utilizados para demonstrar que quem os usa está a serviço de uma organização e possui alguma autoridade na sociedade em que ela está inserida.

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A simbologia dos uniformes militares são tão legitimados que seu uso indevido está previsto em lei como crime. Porém, ao mesmo tempo em que o uniforme indica hierarquia dentro da organização, ele homogeneiza e consequentemente anula o pensamento individual.

Vestir é mostrar no que acreditamos

Os hippies com sua premissa anticonsumo, mostravam sua conexão com a natureza e a valorização do fazer artesanal através das suas roupas. Povos indígenas utilizam da pintura corporal, que não deixa de ser uma forma de vestimenta, como uma afirmação de certa etnia ou como símbolo dentro de cerimônias de funeral e casamento.

Além de uma expressão cultural, também podemos observar a moda como instrumento de manifestação política. Em 1971, a estilista Zuzu Angel, que teve seu filho Stuart sequestrado pelos métodos primitivos da ditadura, fez um protesto através de seu desfile no consulado brasileiro em Nova York. Zuzu aproveitou de sua visibilidade para denunciar as atividades animalescas do governo em vigor.

As modelos usavam fitas pretas na manga, cintura e gola para indicando o luto.  As roupas foram bordadas com figuras que remetiam ao clima de guerra em que a sociedade brasileira vivia naquele momento: canhões, soldados, aviões e pássaros pretos. Zuzu criticou e denunciou de um modo comovente, em um momento em que qualquer expressão contra o governo era motivo para prisão e tortura.

A moda e o feminismo

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A história do feminismo pode ser contada por meio da vestimenta. As vestes femininas são a materialização de sua liberdade na história. A partir desse contexto podemos observar parte do debate contemporâneo sobre o feminino e o espaço público: a credibilidade de uma mulher é tida a partir de uma percepção moral de sua figura.

Sabendo que a moda tem esse poder, podemos continuar vestindo sem pensar conscientemente sobre o que essa escolha significa, ou podemos usar esse poder como uma afirmação do que somos e acreditamos. Podemos nos empoderar, como a deputada que usou um decote em sua posse e causou choque e indignação em um ambiente historicamente masculino e conservador.

A deputada Paulinha, eleita prefeita duas vezes em Bombinhas (SC) antes de assumir como deputada, exigiu respeito ao seu corpo através de um macacão vermelho. O homem branco hetero conservador não sabe lidar com o corpo feminino em espaço público, e muitas vezes usa a roupa da mulher como justificativa para sua violência.

Seja usando decote na posse de Paulinha, ou seja queimando sutiã na época do Sufrágio, iremos nos empoderar para dizer que o corpo feminino não deve ser limitado dentro de padrões moralistas. Ele deve ser apenas respeitado.

Consumir é apoiar um meio de produção

Pensar sobre o modelo de produção em que as roupas são feitas também é uma demonstração do que acreditamos através da roupa. Toda a cadeia de produção, desde à fibra, tingimento, costura e logística gera impacto: produtos químicos escoados na natureza sem a menor preocupação com a preservação dos ecossistemas, trabalhadores infectados pelos químicos que utilizam em suas tarefas têm sua saúde ameaçada e como se não bastassem essas condições, são fragilizados em um sistema trabalhista muitas vezes desumano.

Quando nos vestimos, estamos colocando sobre nossa pele algo muito maior do que tecido. É um conjunto de símbolos que demonstra um modelo econômico, um momento histórico, uma história individual e como construímos nossa individualidade através deles. A roupa pode ser um objeto de ação, e mesmo que optemos pelo conformismo, essa roupa vai chegar e sair de nós contando uma história. Que história sua roupa está contando hoje?

Fotos: Instituto Zuzu Angel 

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