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Três coisas que é preciso saber para se falar dos evangélicos no Brasil

Entre abordagens diversas, há muitos equívocos que reforçam uma imagem caricata e descolada da realidade do segmento

Foto: Marcos Santos/ USP Imagens
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Fala-se muito sobre evangélicos atualmente: nas notícias e análises jornalísticas, na representação em mídias de entretenimento, por vezes, satirizada, nas mídias sociais, com menções frequentes. Expressiva parcela destes conteúdos é crítica ao grupo, pelo apoio incondicional a políticos que oferecem fartas demonstrações de violência e anti-cristianismo, pela moral sexual conservadora que defendem, por diversos obscurantismos, por casos que demonstram exploração financeira da fé.

Nestas tantas abordagens há muitos equívocos. Reforça-se um tipo de imagem deste grupo religioso em detrimento de outras faces que são tornadas invisíveis. Acaba-se criando, pelas mídias, uma caricatura, e um senso comum em relação aos evangélicos, com leituras simplistas e equivocadas, que não correspondem à realidade do segmento.

Por isso, a coluna de hoje oferece algumas informações para que quem deseja falar sobre evangélicos no Brasil possa escapar de equívocos.

1) Não existe “os evangélicos”

Não são um grupo homogêneo, mas uma gama de igrejas cristãs, grupos e tendências doutrinárias e teológicas, que têm raízes (cultivadas ou não) na Reforma Protestante do século XVI, e compõem um grande mosaico de complexa compreensão. Sobre o nome “evangélico” e não “protestante” cultivado no Brasil, vale ler artigo já publicado nesta coluna.

Historicamente, os evangélicos brasileiros se constituíram conservadores na teologia e na relação com a sociedade. Por conservadorismo evangélico entenda-se a posição que pauta os princípios da fé e do comportamento cristão pela leitura literal dos escritos da Bíblia. Por isso, rejeita interpretações teológicas que passem pela contextualização da leitura do texto sagrado e pela mediação das ciências. O conservadorismo evangélico pleiteia para si o cristianismo verdadeiro recusando o diálogo ecumênico e com setores não-religiosos.

No entanto, algumas igrejas se destacaram no país por sua doutrina social, baseada na leitura crítica da realidade e na promoção do bem-comum (em especial Metodista, Presbiteriana, Luterana, Anglicana). Em todas as igrejas, desde a origem no Brasil, houve também líderes afeitos ao Evangelho Social, corrente teológica nascida nos EUA, que prega a fidelidade ao Evangelho de Jesus por meio de atos concretos de justiça social. Estas igrejas e líderes tornaram possível a formação de evangélicos progressistas no Brasil, críticos à leitura literal da Bíblia, engajados em correntes políticas libertárias e promotores da justiça de gênero e do diálogo ecumênico.

Apesar de serem marginais (desprezados pelas mídias noticiosas, que dão vez e voz somente a grupos conservadores), são minoria importante cuja atuação é expressiva em muitas regiões do Brasil e é ancorada em uma história de evangélicos que deram a vida pela justiça, como ocorreu durante a ditadura militar. Estão nos movimentos sociais, no enfrentamento da pobreza, nas causas indígenas, da negritude, das mulheres, da juventude. São invisibilizados pelas mídias noticiosas, mas têm forte ativismo nas mídias digitais.

2) Evangélicos não têm representantes, porta-vozes

Este tema já foi tratado nesta coluna há alguns dias. Evangélicos são cristãos com estrutura organizacional diferente dos católicos e também diferentes entre si. Algumas igrejas têm estrutura de governo por assembleias representativas colegiadas ou independentes, outras são centralizadas em um líder, geralmente o fundador.

Não há uma estrutura que reúna evangélicos. Há associações de igrejas por afinidades doutrinárias e teológicas (conselhos, convenções), de pastores, de organizações de serviço social, mas são diversas e não podem falar pelos evangélicos na sua ampla diversidade.

Dado o contexto de força política deste grupo hoje, muitos líderes têm falado em nome do segmento, ouvidos por mídias noticiosas. É uma armadilha na qual jornalistas e analistas caem, proporcionando vez e voz a figuras que se beneficiam do palanque do noticiário, que dão um único tom ao discurso evangélico, que é hegemonicamente conservador, mas não exclusivamente.

3) As igrejas e pastores midiáticos são uma parcela do segmento, não o todo

As igrejas e pastores que mais têm visibilidade entre evangélicos são os midiáticos. Possuem veículos de mídia, compram espaços em grades de emissoras de rádio e TV, fazem amplo uso de mídias sociais. Alguns destes grupos já nasceram midiáticos e sua existência está relacionada à presença nas mídias. São uma parcela significativa do segmento, quase a totalidade é relacionada a vertentes do Pentecostalismo (Assembleias de Deus, Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Deus é Amor, outras independentes) e a igrejas históricas pentecostalizadas como a Batista da Lagoinha.

Boa parte destas igrejas e líderes são os que não desejam seus espaços fechados frente à covid-19. Mas não pelas ofertas em dinheiro. É importante destacar isso! Receita elas têm em suas empresas, aplicações financeiras, doações por depósito bancário, convênios. O que precisam é a visibilidade dos templos e da mobilização das pessoas para afirmação do seu discurso.

Quem precisa das ofertas dos membros é a grande maioria das igrejas evangélicas que não está na TV ou no rádio, não têm empresas ou aplicações financeiras. São as milhares de congregações espalhadas Brasil afora e que lidam com o cotidiano das comunidades, e representam uma rede de apoio para muita gente, especialmente onde o Estado negligencia atenção. São espaços religiosos que valorizam as pessoas que são conhecidas pelo nome, que têm a palavra e se sentem valorizadas por serem capazes de oferecer seus dons nos diferentes serviços que as igrejas realizam. O que uns chamam de alienação acaba sendo terapia, o único espaço que algumas pessoas invisíveis à sociedade têm para serem ouvidas e valorizadas.

É fato que não é possível explicar em um poucas linhas o mosaico evangélico e sua complexidade. Entretanto, nestes parágrafos fica registrado o desafio para quem se dispõe a publicar conteúdos sobre este grupo religioso: sair do senso comum, da caricatura construída por jornalistas e analistas que caíram na armadilha de quem se autointitula representante daqueles que não o reconhecem como tal e ir além.

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