Diálogos da Fé

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Diálogos da Fé

Sobre um político evangélico comprometido com os direitos humanos 

Com a escola que era a igreja evangélica, Lysâneas Maciel desenvolveu o dom de discursar

Retrato do deputado federal Lysâneas Maciel (MDB-RJ) no plenário da Câmara dos Deputados (Crédito: Autoria desconhecida)
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A memória enfatizada na semana do 31 de março, dia do golpe militar que instituiu a ditadura que durou 21 anos, instiga a denúncia das atrocidades cometidas pelo Estado contra pessoas opositoras do regime. Ao mesmo tempo, estimula a reafirmação dos processos de resistência levados a cabo por estas pessoas, entre elas, muitas evangélicas. 

Diante do quadro atual de ocupação de espaços religiosos pela extrema-direita, com intensidade entre evangélicos, a memória da resistência da ditadura por lideranças deste segmento cristão reveste-se de muita relevância. É uma memória fortemente silenciada nos espaços das igrejas, mas também da arena pública que insiste em ignorar que há personagens e situações que envolvem evangélicos, dignas de serem exaltadas como inspiração para os novos tempos.

Neste sentido, trago neste artigo, a memória de um deputado federal que teve relevante presença pública, cuja memória precisa ser recuperada como motor da defesa da democracia no presente. Eu me refiro ao advogado presbiteriano/reformado Lysâneas Maciel.

Lysâneas Dias Maciel iniciou sua trajetória política como deputado federal, durante a ditadura, em 1970, pelo Movimento Democrático Brasileiro/MDB). Ele integrava o grupo que ficou conhecido na Câmara Federal como “Autênticos do MDB” e ganhava muita repercussão nos jornais por conta dos discursos de forte crítica ao estado de exceção do governo militar. O deputado presbiteriano ganhou destaque pela comprometida defesa dos direitos humanos.

Com a escola que era a igreja evangélica, Lysâneas Maciel desenvolveu o dom de discursar. Seus pronunciamentos na tribuna da Câmara Federal eram marcantes e denunciavam autoridades, o que causava forte incômodo. O deputado presbiteriano não usava o espaço para pregação religiosa, mas dizia que tudo o que falava e fazia tinha relação com sua fé cristã e o senso de justiça que aprendeu do Evangelho. Lysâneas Maciel entendia que com o cargo político de deputado, tinha oportunidade de oferecer sua voz e suas ações para mudar a realidade injusta do país.

Registros do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas e o livro “E Lysâneas disse basta!”, do pastor presbiteriano Jonas Resende, mostram que o deputado falava de si próprio como um homem de origens conservadoras na igreja e na família, que não condenou o golpe militar, quando deflagrado. Quando, como advogado, tornou-se defensor de presos políticos da ditadura, tanto estudantes quanto operários, em 1966, teve os olhos abertos para a realidade e se tornou atuante pela causa dos direitos humanos, cruelmente violados pelo regime. 

Eleito em 1970, foi reeleito em 1974, mesmo tendo sido impedido de aparecer na propaganda partidária da televisão pela direção regional do MDB, então controlada pelo governador aliado dos militares Antônio de Pádua Chagas Freitas. O segundo mandato de Lysâneas Maciel foi interrompido, em 1976, quando foi cassado. 

Ele tinha sido presidente da Comissão de Minas e Energia da Câmara e ganhado notoriedade por atuar pela criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar a violação dos direitos humanos pelo governo militar, apesar da falta de apoio do MDB. Em outubro de 1975, após discursar de forma inflamada e defender a instalação daquela CPI, foi acusado de ter recebido votos de comunistas na eleição. 

A perseguição alcançou ápice em 1º de abril de 1976, um dia depois de Lysâneas Maciel ter protestado contra a cassação dos deputados do MDB gaúcho, Amauri Müller e Nadir Rosseti. Ele teve o seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos, pelo presidente General Ernesto Geisel, com base no Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968. No mês seguinte, exilou-se em Genebra (Suíça), onde colaborou com o Programa de Direitos Humanos do Conselho Mundial de Igrejas.

Retornou ao Brasil em junho de 1978 e ajudou a criar a Frente Nacional de Redemocratização, movimento que trabalhou pela recuperação do estado de direito e o fim da ditadura com eleições livres. Lysâneas Maciel também atuou na campanha por uma anistia ampla, geral e irrestrita aos presos e perseguidos políticos. 

Ajudou Leonel Brizola, em 1980, a criar o Partido Democrático Trabalhista (PDT), porém, no ano seguinte, se aproximou do Partido dos Trabalhadores (PT). Concorreu ao governo do Estado do Rio, em 1982, pelo PT, cujo eleito foi Brizola.

Em 1986, Lysâneas Maciel refiliou-se ao PDT e foi eleito deputado federal constituinte pelo Rio de Janeiro. Empossado em fevereiro de 1987, foi “anticandidato” à Presidência do Congresso Constituinte, em nome de um grupo de deputados do PT, do PMDB, do PDT e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), “como forma de denunciar o caráter conservador do Congresso Constituinte presidido por Ulysses Guimarães”. 

Maciel foi relator da Subcomissão de Direitos Coletivos, Direitos Políticos e Garantias, e da Comissão da Soberania e dos Direitos Coletivos e Garantias do Homem e da Mulher. Neste mandato, foi um dos três parlamentares de esquerda da primeira Bancada Evangélica, junto com a assembleiana Benedita da Silva (PT-RJ) e o metodista Aldo Fagundes (PMDB-RS). 

Em 1989, viajou pela Europa, pelos Estados Unidos e pelo Japão, como único representante brasileiro na delegação do Eminent Persons Group (EPG) [Grupo de Pessoas Relevantes], articulação ecumênica do Conselho Mundial de Igrejas. A ação desafiava líderes governamentais e eclesiásticos por sanções políticas e econômicas contra a África do Sul e seu regime racista do apartheid, e pela libertação do líder negro, também evangélico, Nelson Mandela.

Nas eleições de 1990, Lysâneas Maciel alcançou votos como suplente do deputado federal eleito pelo PDT do Rio, Carlos Lupi, tendo assumido o cargo por um período. Em outubro de 1996, depois de ter atuado como executivo do governo Brizola, disputou uma vaga de vereador no Rio, tendo sido eleito, pelo PDT. Faleceu nessa cidade, em 6 de dezembro de 1999, no exercício do mandato, aos 72 anos.

Que político evangélico fantástico foi Lysâneas Maciel! Nesta semana da Páscoa, recuperar a memória dele é reafirmar como o valor à vida, e vida em abundância, expresso no Evangelho da Ressurreição, pode inspirar pessoas de fé, hoje, à realização de ações políticas dignas e comprometidas com os direitos alimentados pela paz com justiça. 

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