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O ser humano precisa da ciência tanto quanto da religião

Mas tanto para praticar uma quanto a outra, precisamos de ambiente adequado e oportunidades

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Conforme a tradição islâmica, a primeira ordem corânica revelada ao profeta Muhammad é composta por cinco primeiros versículos da surata 95 do Alcorão. Os versículos começam com uma ordem: Lê em nome do teu Senhor que criou. (Alcorão: 95:01). Conta a tradição que, como uma pessoa não-alfabetizada, profeta Muhammad respondeu a esta ordem, que chegou através de Gabriel. Porém, através da graça divina, ele, sem nunca ter lido, aprendeu a recitar os versos corânicos e transmiti-los aos fiéis.

Para o islam, os profetas são servos escolhidos de Deus e apoiados na graça divina em todos os seus atos. Algumas coisas, como a inocência, a não-inclinação para o mal etc., são inatas a eles, pois a missão profética é dada antes que eles tenham nascido. Por isso, do ponto de vista teológico do islam, não é nada surpreendente que uma pessoa não alfabetizada tenha recitado os versos, o que do ponto de vista científico seria “impossível”. Porém, o verso corânico acima mencionado não implica apenas com o sentido literal do ato de “ler”.

Nursî, como um teórico de interpretação do Alcorão que muito me inspira, interpreta esta ordem em dois aspectos. Primeiro é a leitura “ao pé da letra”, isto é, no sentido literal. Neste aspecto do verbo ler, ele destaca a importância da palavra de Deus, neste caso é o Alcorão, para conhecer a Ele mesmo e Suas obras que são submetidas ao serviço do ser humano, o gestor que Deus mandou à face da terra (Alcorão 02:30). Através desta leitura, o ser humano conhece teoricamente o seu Criador e a quem ele deve se direcionar para adorar (Alcorão 51:56). Acredito que seja neste sentido que Cícero (103-43 a.C) tenha definido a religião como uma releitura. Ou seja, o ser humano, em cada ato remetente à religião, volta a ler aquilo que lhe é agraciado.

O segundo, portanto, segundo Nursî, é a leitura do universo, isto é, ver as criações de Deus, as Suas obras e recordar d’Ele em cada coisa que se enxerga neste mundo. Isto, portanto, levaria o ser humano a cumprir o ideal de sua criação: conhecer a Deus e adorá-Lo.

Uma das problemáticas que a modernidade trouxe à tona é que a religião impede o crescimento intelectual do ser humano. Esta hipótese é afirmada mais pelos filósofos modernos ocidentais do que no oriente. Aliás – apesar de ser um clichê, irei mencionar aqui – no período em que se diz que o ocidente cientificamente havia se atrasado “por causa da religião”, no oriente o desenvolvimento científico envolvia muitos religiosos. Apenas este fato sozinho reprovaria a tese dos filósofos modernistas, que chegaram a afirmar que “Deus estava morto”. A generalização, como já venho afirmando, através de atos humanos, e não por meio de principais fontes da(s) religião(ões), no ocidente, acabou afetando a relação das sociedades com os seus sistemas de crença também, mesmo que as realidades sejam diferentes.

Em contrapartida a esta tese da modernidade, Nursî propõe a ideia de que a religião e a ciência devem andar juntas para poder responder às questões da humanidade tanto no nível espiritual como no nível intelectual. Gulen, ampliando mais esta teoria, afirma que a religião e a ciência são complementares uma da outra, isto é, não há possibilidade de imaginar a ciência sem o apoio da religião e vice-versa. Para ambos, é desta maneira que o ser humano pode conhecer o seu Criador e adorá-Lo melhor.

Porém, hoje em dia, na sociedade mundial em geral, há uma luta entre os religiosos e os cientistas na esfera pública. Muitos religiosos não querem os questionamentos científicos em torno de vários assuntos e os cientistas não querem imaginar que em alguns aspectos a religião também possa explicar certas coisas. Por isso, várias vezes, quando um ou outro lado possui poder, esmaga aquele que não o tem.

O ser humano precisa da ciência tanto quanto da religião. Mas tanto para praticar uma quanto a outra, precisamos de ambiente adequado e oportunidades.

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