Diálogos da Fé

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Mulheres evangélicas também dizem não ao ‘PL do Estupro’

As ruas estão cheias de profetizas anunciando a ressurreição. As mulheres, com seus panos verdes, marcham em diversas cidades do país em busca de justiça de gênero

Mulheres evangélicas também dizem não ao ‘PL do Estupro’
Mulheres evangélicas também dizem não ao ‘PL do Estupro’
Manifestação contra PL que equipara aborto a homicídio. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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Erga a voz em favor das que não podem defender-se, seja a defensora de todas as desamparadas. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos das pobres e das necessitadas.

Provérbios 31.8,9

Rubem Alves dizia: “Os cristãos incluíram uma declaração estranha no seu Credo. Diziam que criam e desejavam a ressurreição do corpo. Como se o corpo fosse a única coisa que importasse…. Mas haverá coisa que importe mais?”.

Pensar o corpo dentro da tradição cristã não é tarefa fácil – mesmo que o cristianismo o celebre e seu principal rito seja realizado pelo corpo e no corpo. Nessa alienação, o corpo da mulher foi o grande “condenado à morte”: deve ser mortificado, escondido, não mostrado. É o corpo que fere a todos, o mais excluído e exilado da teologia.

Refletir sobre isso a partir da teologia feminista é essencial. A teologia feminista é ação, voz, pensamento discordante, inquietação… Não se cala frente às desigualdades impostas por uma cultura misógina, patriarcal, classista e racista. Com essa proposta em mente, perguntamos: quais corpos merecem a ressurreição? A teóloga Rita N. Brock afirma que a fé na ressurreição deve vir de vislumbres reais da nossa habilidade de transformar o nosso mundo de sofrimento, rejeitando a promessa atrasada do paraíso e buscando compreender o significado da ressurreição mais como realidade viva do que como uma fraca esperança.

O fundamentalismo moral é central nos discursos que se manifestam no poder executivo e judiciário, especialmente contra a “ideologia de gênero”. Esse conceito, originado no contexto católico, foi amplamente popularizado nas mídias e redes sociais e adotado pela direita e pelos evangélicos fundamentalistas.

Grupos religiosos, de mãos dadas com o conservadorismo das elites latino-americanas, têm saído às ruas contra a legalização do aborto, enfrentando os movimentos feministas que avançaram na discussão. Um exemplo é o caso do PL 1904/2024, conhecido como “PL do Estuprador” ou “PL do Estupro”.

A proposta do deputado evangélico Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) prevê pena de até 20 anos para a mulher que interromper a gravidez resultante de estupro. Já um estuprador pode ser detido por no máximo dez anos, de acordo com o Código Penal. Essa aliança entre religiosos e conservadores apresenta o mesmo discurso e estética, criando movimentos articulados na defesa das pautas anti-gênero.

A inserção do fundamentalismo religioso na disputa pela aprovação de leis tem sido determinante para frear pautas importantes e amplamente debatidas pelos setores progressistas e feministas.

A freira e teóloga Ivone Gebara diz que a “ressurreição significa levantar-se, erguer-se, recuperar a vida. […]. Ressuscitar no cotidiano é apostar na realidade da vida presente como a realidade mais fundamental. É essa a realidade que tem consistência porque expressa o que vivemos e como respiramos”. Defendemos a ressurreição dos corpos das mulheres violentadas e massacradas por políticas de morte o aqui e agora. Uma ressurreição contínua e preventiva de nossas meninas-mulheres que sofrem violências de seus genitores, familiares, conjuges, pastores, padres.

As ruas estão cheias de profetizas anunciando a ressurreição. As mulheres, com seus panos verdes, marcham em diversas cidades do país em busca de justiça de gênero. Entre elas, há aquelas que carregam sua fé cristã e marcham contra o uso indevido do nome de Deus para oprimir e subjugar os corpos das mulheres.

A Frente de Mulheres de Fé está mobilizando um abaixo-assinado intitulado “MANIFESTO DA FRENTE DE MULHERES DE FÉ CONTRA O PL 1904-2024 DO ESTUPRO E ESTUPRADOR“, que já conta com mais de 2500 assinaturas de todo o Brasil. Elas denunciam as alianças patriarcais entre religião e partidos políticos que negociam nossos direitos em troca de votos.

Reivindicam que o Estado investigue os religiosos abusadores, repudiam qualquer projeto de lei que retire direitos das mulheres, e defendem que a laicidade do Estado seja um princípio inegociável. E

Elas também pedem que o Estado reavalie seus convênios com hospitais do SUS que se negam a realizar procedimentos contraceptivos devido a dogmas religiosos.

Nossa realidade, no Brasil de 2024, também nos coloca pedras à porta para impedir a ressurreição. Uma dessas pedras é o PL 1409/2024. No entanto, nossas companheiras do passado, do presente e do futuro insistem em remover pedras, destravar portas, furar tetos e quebrar janelas para que a ressurreição aconteça.

Como cristãs, acreditamos na ressurreição do corpo e que ela passa por políticas de direitos para a vida de plenitude de todas as mulheres. E o movimento feminista atua como uma ressurreição dos corpos oprimidos pelo Estado e pela religião.

Faço voz ao Manifesto que anuncia: “Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque temos como referência o Evangelho da liberdade e da justiça  para mulheres e homens,  crianças e vulneráveis na sociedade. Foi para a liberdade que Cristo nos libertou (Gálatas 5:1); não permaneceremos sob o jugo da escravidão de um discurso religioso funesto.”

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