Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Fundamentalismo religioso e a bandeira anticomunista

Se antes a religião serviu como catalisadora de movimentos libertários na América Latina, hoje, revestida de uma linguagem conservadora, é ferramenta indispensável para a inserção da direita

Vácuo. Os evangélicos ocuparam o espaço deixado pelas esquerdas, mas com proposta política radicalmente distinta - Imagem: Mauro Pimentel/AFP
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A influência política e social da religião tem sido um ponto de grande interesse e mobilização para a classe trabalhadora, destacando-se como um tema central na disputa ideológica. Se antes a religião serviu como catalisadora de movimentos libertários na América Latina, hoje, revestida de uma linguagem conservadora, é ferramenta indispensável para a inserção da direita nos estratos mais profundos da sociedade.

A ascensão da direita religiosa é evidente através da ocupação de espaços institucionais e da sua influência direta na vida cotidiana, especialmente por meio do fundamentalismo religioso cristão, que se tornou um dos pilares do projeto neoliberal na América Latina. Este processo não apenas se traduz na supressão de direitos da população, mas também na disseminação de discursos que enfraquecem as pautas e lutas coletivas, promovendo um individualismo exacerbado.

Quando olhamos a história do fundamentalismo religioso cristão, notamos que as políticas imperialistas sempre estiveram em seu cerne, porém, com uma linguagem religiosa que buscava manter o status quo. A ascensão do fundamentalismo religioso na América Latina, é importante ressaltar, surge como uma reação aos avanços políticos e sociais do continente, como aponta o dossiê n. 59 do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Tanto nos Estados Unidos, no final do século 19 e início do 20, quanto no Brasil de 2024, é notável a presença marcante do anticomunismo como uma das principais bandeiras do fundamentalismo religioso. Esse fenômeno remonta às origens do movimento e à obra The Fundamentals, que emergiram em resposta ao Evangelho Social, influenciado por análises marxistas, e mais  à frente a própria Teologia da Libertação, frequentemente rotulada de forma pejorativa como “coisa de comunista”. Embora o grito fundamentalista que ressoa mais alto é do da pauta de “moral e bom costume”, é importante perceber o pano de fundo desse projeto.

O pensamento anticomunista tem diversas facetas, refletindo a sua natureza plural e multifacetada. Ao longo dos diferentes períodos e contextos, é evidente uma frente política e social de direita que se unifica em oposição ao comunismo como um inimigo comum. Suas reivindicações giram em torno do absoluto respeito à propriedade privada, da coesão familiar, da ordem, bem como da defesa de uma visão de mundo fundamentada em princípios cristãos, católicos e evangélicos.

Embora o anticomunismo brasileira tenha moldes norte-americanos, não foi apenas uma mera reprodução, pois encontrou no país solo fértil dos valores cristãos católicos, que se contrapunham ao discurso comunista. Entre os ataques à imprensa, à perseguição do Partido comunista no período da Guerra Fria, foi a partir dos anos 1950 é que as agências estatais estadunidenses começam uma campanha mais sistemática contra o comunismo na América Latina com o discurso de “proteção à liberdade”. Para um aprofundamento maior, recomendo a leitura da obra de Rodrigo Patto de Sá Motta, em  seu livro “Em Guarda contra o Perigo Vermelho”, relançado em 2021 pela editora Eduff.

Naquele período, para o catolicismo, o comunismo se apresenta como mais um inimigo a ser combatido em prol da fé, pois ele não se apresentava apenas como uma pauta econômica e política, mas também como uma sistema de filosofias e crenças que desafiava os valores e a moral cristã, pois negava a existência de Deus, apregoava um materialismo ateu, instigava uma violenta luta de classes etc. Aqui se entendia a religião como um instrumento importante em barrar o avanço do comunismo, pois a linguagem colocada para o comunismo era também mística, o “mau”, do “diabo” e outras características que permanecem até hoje.

Relembrar o lema integralista é necessário, e da verdade, mais próximo do nosso contexto que gostaríamos, “Deus, Pátria e Família”. Nas eleições de 2022, e em todo seu mandato, Jair Messias Bolsonaro utilizou incessantemente esse lema, acrescentando a “liberdade” como quarto elemento. Vale pensar na “Marcha com Deus, pela Família e Liberdade”, de 1964, que mobilizou diversas pessoas, unindo as temáticas da religião, para além do cristianismo católico, e liberalismo numa bandeira anticomunista.

Já os evangélicos, se manifestam mais abertamente no período da Ditadura Empresarial Civil-Militar sob a justificativa de que havia uma crise moral na sociedade e que o crente deveria se posicionar publicamente neste sentido. Os temas variavam: desde os excessos do carnaval brasileiro, o debate sobre a legalização do aborto na América latina, o enfrentamento ao ecumenismo ou “liberalismo religioso” até questões geopolíticas como as relações dos Estados Unidos contra a União Soviética, Cuba e China.

Mais recente, vemos a associação do Partido dos Trabalhadores com o comunismo, embora tenha sempre sido um partido moderado, sem perder alguns símbolos importantes como a cor vermelha e a estrela. A pesquisa divulgada pelo Ipec,  em março de 2023, aponta que 44% concordam totalmente (31%) ou em parte (13%) com a afirmação de que o Brasil pode se tornar comunista.  Há uma interconexão do anticomunismo e antipetismo nos últimos anos no país, e muito do que foi fomentado veio dos setores religiosos fundamentalistas cristãos. Isso fomenta o imaginário que o PT no poder significa o ataque às igrejas cristãs, a moral e bons costumes, pois, o PT seria criptocomunista, preparando para tornar o Brasil de fato comunista.  Diversos pastores fundamentalistas têm produzido conteúdos sobre a temática de que a ameaça comunista, que o comunismo vai acabar com o país ou fechar igrejas, e claro, acabar com sua família.

Em suma, o pensamento comunista é o inimigo principal a ser combatido pelo fundamentalismo religioso, pois o comunismo seria o responsável por todos os males que acercam a família, a propriedade privada, à pátria, os bons costumes e claro, a fé cristã. No entendimento das bandeiras do fundamentalismo religioso é necessário ter isso pontuado: o anticomunismo é a bandeira mais forte do fundamentalismo. As pautas de família, gênero e sexualidade são os “frutos” desse pensamento primeiro que é puramente econômico e político, e posteriormente, social, para a manutenção da propriedade privada, reprodução econômica e social.

Apesar dos desafios, é importante manter viva a chama da luta. É através da resistência, da organização popular e da solidariedade que podemos enfrentar esse projeto de poder e combater ideologias opressoras e imperialistas, até porque, como já dizia Karl Marx: “A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores.”

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