Diálogos da Fé

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“Desesperar jamais! Aprendemos muito nesses anos…”

‘Temos testemunhado muita gente cansada, desesperançada, desesperada e estamos apenas no início do segundo mês do ano’, escreve Magali Cunha

Foto: iStock
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Retomo nesta quarta-feira 3 a dinâmica da coluna Diálogos da Fé, depois daquele recesso fundamental para se viver um novo ano, especialmente depois dos traços tão difíceis do que foi 2020 e de como 2021 se desenha.

De fato, as notícias inquietantes do derredor não param de chegar: centenas de milhares de mortos e milhões de contaminados por Covid-19, menina de cinco anos estupidamente morta a bala na virada do ano, execução da testemunha de uma chacina no Pará, o pantanal em extinção por seca depois das queimadas, fornecimento de água contaminada nas torneiras do Rio de Janeiro.

No campo político, compra de deputados, e não de vacinas, para se manter um Congresso alinhado a projetos espúrios do governo federal, liderado por um suposto cristão de “boca suja”; provas reconhecidas do conluio de um juiz com um promotor para interferir na política e na economia do País.

Temos testemunhado muita gente cansada, desesperançada, desesperada e estamos apenas no início do segundo mês do ano. Isto nos afeta e nos desafia.

Na linha dos livros da Sabedoria contidos na Bíblia cristã (Provérbios, Cantares de Salomão e Eclesiastes), é possível afirmar que é na criatividade do povo que Deus fala e oferece refúgio e estímulo para seguir sobrevivendo. Assim cantam os poetas Ivan Lins e Vítor Martins:

Desesperar, jamais
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas, não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada, nada, nada de esquecer
No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar
Mas agora acho que chegou a hora
De fazer valer o dito popular
Desesperar, jamais!

Em textos da Sabedoria da Bíblia cristã, a palavra-chave para não desesperar jamais é “perseverança”: um misto de paciência, resistência e esperança: “A paciência convence até as autoridades; a perseverança pode vencer qualquer dificuldade” (Provérbios, capítulo 25); “Ora, para aquele que está entre os vivos há esperança; porque melhor é o cão vivo do que o leão morto” (Eclesiastes, capítulo 9).

Quem desespera, desiste, nega a espera, “entrega os pontos” ou “o jogo no primeiro tempo”. Quem acompanha esportes sabe o quanto viradas são possíveis e que derrotas dadas como certas podem se tornar vitórias, dependendo da “raça” e da “garra” dos jogadores.

A poesia de Ivan Lins, de forte teor evangélico, composta em tempos duríssimos da ditadura militar, lança mão de todos estes “ditos populares”. Sem deixar de reconhecer que há perdas, “muitos desenganos”, que “temos muito que chorar”, como o profeta Jeremias, a canção revela que está na hora de arrancar do chão da vida (“Seja forte, coragem!”, como diz Salmos 27.14), o que sempre soubemos: “desesperar jamais!”.

É com esse fôlego que se encontra no cotidiano, na teimosia de quem resiste a tantos impropérios, que emergem ações coletivas que mostram que não estamos sozinhos na indignação e que temos ir além do murmúrio e da crítica.

E há muitas ações, de variados segmentos brasileiros, que têm expressado o que significa “não correr da raia” e, ao mesmo tempo, não ser cúmplice dos abusos que afligem o País.

Entre os cristãos, por exemplo (que, no geral, têm dado um péssimo testemunho seja de cumplicidade declarada com desmandos, seja de silêncio e omissão), um significativo grupo de 380 líderes, evangélicos e católicos, protocolou na Câmara dos Deputados, na semana passada, o pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

Uma cerimônia simbólica em Brasília, em 26 de janeiro, tornou pública a ação. O esforço profético foi liderado pela secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), a pastora luterana Romi Bencke, e o secretário-geral da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Daniel Seidel, que representaram os signatários.

O documento denuncia que o presidente comete crime de responsabilidade na área da saúde pública, principalmente nesse momento da pandemia da covid-19. Isto se deve às atitudes desrespeitosas por parte dele que resultaram e continuam resultando na morte de tantos brasileiros. O texto apresenta uma lista de situações que corroboram esta afirmação.

Lideranças religiosas apoiadoras do presidente da República vieram a público condenar a ação. Algumas igrejas a que signatários estão relacionados negaram participação oficial no documento. Essas posturas revelam a força do movimento profético que afirma “desesperar jamais!” e pede justiça no afastamento de quem lidera destruição e morte.

Vale seguir “aprendendo muito nesses anos” e repetindo as palavras da pastora Romi Bencke (CONIC): “Apesar de tudo, não devemos desanimar. É nos momentos de incerteza que a esperança precisa ficar ainda mais forte. Aliás, não há inverno que dure para sempre. E nunca houve uma nuvem que conseguisse anular o brilho do sol!”.

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