Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

A crise de laicidade da União Europeia

A França é o que mais se destaca principalmente por causa da proibição de uso de véus

O presidente da França, Emmanuel Macron. Foto: Ludovic MARIN/AFP

Apoie Siga-nos no

Há menos de um ano, falei neste espaço sobre a crise de laicidade que a França enfrenta. Então, o presidente francês, Emmanuel Macron havia comentado que o islam estaria em uma crise e que eles criariam um “islam francês”. Isso, até para a pessoa mais estúpida do mundo, deve parecer totalmente controversa, pois num país laico não pode se falar de uma religião a seu modo.

A laicidade, como vários conceitos e paradigmas de ciências sociais, está em constante mudança de significação. Por isso, na maioria das vezes, há o uso de laicização ou secularização em vez de um laicismo, pois tal afirmação significaria uma consolidação semântica do conceito, o que no caso da laicidade ainda irá demorar muito para ocorrer.

Embora no início a laicidade tenha tido o efeito excludente contra a religião, no decorrer do tempo esta teoria de exclusão ou extinção da religião do âmbito social foi se modificando e atualmente encontramos como um paradigma de relegação da religião ao foro íntimo de cada indivíduo.

Desta forma, com o forte efeito de globalização e imigrações, encontramos sociedades plurirreligiosas. A religião retornou ao debate público-social devido à várias razões e não tão cedo sumirá de nossas pautas. Por isso, hoje em dia vemos em diferentes dimensões políticas e sociais a presença de atores religiosos que chegam a afetar fortemente o debate.

Na última semana, dia 15/07, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que as empresas pudessem barrar o uso de véu islâmico pelas funcionárias muçulmanos durante o horário de expediente. Na última década, vários países europeus foram alvos de críticas por causa de suas ações islamofóbicas que causam incômodo aos seus cidadãos muçulmanos. Entre eles, a França é o que mais se destaca principalmente por causa da proibição de uso de véus que cubram o rosto e do burquini (um certo tipo de biquíni que as muçulmanas usam sem mostrar as partes de seus corpos). O motivo da proibição de véu que cubra o rosto completo ou parcialmente é a chamada “segurança nacional”. Porém, agora com a pandemia, todos temos de usar as máscaras para nos prevenir da infecção do coronavírus. Muitos devem ter questionado, mas eu venho para mais uma vez questionar: e a segurança nacional da França? Afinal, a máscara cobre o rosto parcialmente…

Segundo um relatório publicado pela Comissão Consultiva Nacional de Direitos Humanos da França, em 2020 os atos islamofóbicos aumentaram em 52%. Depois de ver essa notícia, logo me lembrei das afirmações do próprio presidente do país e das ações que o aparato do Estado Francês tem adotado perante a questão muçulmana. Como o país que tem a maior comunidade islâmica da UE, a França vem desenvolvendo várias políticas que vão contra os próprios princípios de fraternidade, igualdade e liberdade. A decisão tomada pelo Tribunal de Justiça da UE vai em consonância com as políticas da França legalizando os atos discriminatórios e islamofóbicos ferindo, assim, os princípios da democracia.


A Europa, por muito tempo e hoje ainda, reivindica a si mesma o título de “civilização democrática” levando as outras civilizações a um nível de subalternidade. Porém, o que estamos vendo é que a própria União está ferindo os valores democráticos negando às pessoas a liberdade religiosa e liberdade de expressão.

O princípio da laicidade é que os estados não interfiram nas questões religiosas deixando-as ao foro íntimo e livre escolha dos indivíduos. Porém, dentro da própria Europa, onde este conceito nasceu, há uma crise enorme com a própria laicidade quando se quer oprimir uma determinada classe social ou religiosa.

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.