Diálogos da Fé

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10 mentiras sobre o Candomblé e outras religiões de matriz africana

Os sistemas de crenças eleitos como inimigos, inadequados e imperfeitos são, prioritariamente, as religiosidades de origem africana e indígena

Foto: Amanda Oliveira/GOVBA
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Vivemos tempos em que se lucra muito com a ignorância e com a cultura do ódio. Odiar é quase que um imperativo. Gera likes, gera seguidores. Criam-se (in-)verdades. Tempos do “eu não quero saber”. De ‘especialistas’ formados pelas universidades do WhatsApp, Facebook e Instagram. Do eu só quero ignorar e odiar.

Nesse sentido, o maniqueísmo tem se tornado recurso formativo. O maniqueísmo precisa de um oposto. Um oposto que ilumine um e jogue sombras sobre o outro. O maniqueísmo cria salvadores e criaturas a serem salvas – e isso interessa muito a quem quer dominar.

No campo religioso, os sistemas de crenças eleitos como inimigos, inadequados e imperfeitos são, prioritariamente, as religiosidades de origem africana e indígena. Isso impede que as pessoas conheçam de fato estas culturas religiosas e que optem pela rejeição e pela demonização com base em uma perspectiva teológica alheia à cultura demonizada.

Os próprios negros são afastados de uma religião que lhes devolveria o direito à ancestralidade.

Nascem, então, as inverdades cruéis sobre o que é desconhecido – mas desconhecido por opção, por estratégia, pela manutenção de uma necessidade etnocêntrica. Ou seja, alguém tem de se sobressair e ocupar o lugar do bem e, para que isso ocorra, intencionalmente, alguém tem de ser colocado no lugar do mal.

Para conhecer a verdade, precisamos desfazer as inverdades cruéis contadas apenas para a manutenção de poder daqueles que se servem da devoção humana para controlar por meio da potencialização do medo e da culpa.

Por isso, listo dez inverdades cruéis contadas reiteradamente sobre o candomblé e tradições religiosas:

1. “O Candomblé não é lugar da família e um casal não pode pertencer à mesma comunidade”. O candomblé é familiar e nasce para a reconstituição da família e para a sua manutenção. A palavra “Candomblé” poderia ser sinônimo de “Família”.

2. “Candomblé não é o lugar de crianças”. No Candomblé, acredita-se no interminável, no contínuo, em uma linha sem fim que inclui todos, desde os mais jovens aos mais velhos.

3. “Somos desorganizados, desunidos”. Não! Não somos! Se fôssemos, nem Candomblé teríamos. Fomos, intencionalmente, excluídos dos movimentos sociais, culturais e da política e, agora, estamos fazendo o caminho inverso. Some-se a isso a questão de sermos, intencionalmente, “satanizados” e, durante séculos, termos sido obrigados a viver na segregação, no silêncio e guardados em “nosso mundo”.

4. “Somos fracos e não lutamos”. Lutamos, diuturnamente, desde que fomos arrancados da nossa Terra, da nossa Família, da nossa História, das nossas Crenças e da nossa Cultura. Criamos estratégias sutis de luta e manutenção desses valores e, por isso, podemos praticar “livremente” o Candomblé hoje. Se assim não fizéssemos, estaríamos todos mortos e conosco o Candomblé.

5. “O Candomblé é o lugar da dor, culpa e sofrimento”. Quem ou que povo, em sã consciência, criaria um sistema de crenças e valores para desunir, torturar, desumanizar mais ainda as pessoas? Considerando a escravização, esta mentira não faz sentido algum.

6. “As pessoas estão no Candomblé por amor ou pela dor”. A dor é das pessoas [sim, somos humanos] e as divindades clamam pela nossa aproximação para que possam nos proteger e cuidar de nós; as divindades foram
designadas pela “força-criadora” – “força pré-existente” para criar o mundo, cuidar de nós e nos manter vivos e felizes.

7. “Orixá, Inquice ou Vodum matam ou podem matar aqueles que deveriam guardar”. Não faz sentido, os três valores do Candomblé são: 1) Filhos (descendência e manutenção da memória); 2) Longevidade (se a “divindade” matasse e fosse feita para isso, iria contra este princípio ancestral); 3) Poder de trocas (que dizem respeito às relações, aos movimentos e à ética do mercado de Exu).

8. “Candomblé é coisa de gente sem cultura”. A pergunta é: como alguém sem cultura conseguiria praticar, a um só tempo, uma “Fé”, “Ciência”, “Filosofia”, “Cultura”, “Medicina” e ainda conseguir manter a África Ancestral no Brasil, mesmo diante de sua negação e diante do racismo?

9. “Não acreditamos em ‘Deus’ (…)” Crença e cultura são fenômenos sociais intrínsecos; o fato de a nossa crença voltar-se a diversas e múltiplas divindades “negras”, “africanas”, “míticas” e “da natureza” não quer dizer que não acreditamos em Deus. Não acreditamos em Deus como uma força patriarcal, punitiva e dominadora, mas acreditamos nele como uma força criadora, uma força anterior e força ancestral que não é patriarcal e única, que não subjuga os seus filhos, mas orienta e conduz;

10. “Somos antiéticos e imorais”. A moral é um princípio cristão e tem bases no culto ao medo e à culpa, ela não liberta, apenas o aprisiona e controla. Há liberdade, ordem e harmonia fora da moral cristã. Há um mundo possível e igualmente organizado fora desta episteme dogmática.

O Candomblé é o lugar de uma ética da autorresponsabilidade, ou seja, estamos em família e, ao nos auto-responsabilizarmos, todos se cuidam coletivamente. A cosmopercepção do Candomblé é afrocentrada e, por isso, fala-se em ética da natureza, em ética ancestral – ética que atravessa paredes e o tempo linear, em ética coletiva. Há valores, há disciplina, há um código de ética e muitas lições ancestrais. Mas deve-se assumir isso sempre como um convite e nunca como uma convocação.

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