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Uma crítica à ideia de “nação brasileira”

O que, de fato, nos une neste pedaço de terra?

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O nacionalismo não é o despertar das nações para autoconsciência: ele inventa nações onde elas não existem” Ernest Gellner 

Com a suspensão das relações entre Brasil e Portugal em 1822, oriunda das pressões contra o monopólio comercial português, altos impostos cobrados, insatisfação das elites e o enfraquecimento do colonialismo após as diversas revoltas, como a Conjuração Baiana e a Inconfidência Mineira, a promoção da ideia de uma “identidade nacional” tornou-se uma arma para atenuar o efeito da crise política.

Construir uma narrativa acerca dessa concepção construída no Brasil, é sobretudo fazer um apanhado histórico, que perpassa os períodos de colonização e pós independência e traz seus reflexos para os dias atuais.

Período que na historiografia ocidental atravessa as Américas, a colonização, chega ao Brasil pelos povos ibéricos e tem como premissas básicas de sua memória os “mitos”, os “sincretismo” e “a união das três raças” – povos indígenas, africanos e os colonizadores brancos -, essa tríade sócio-cultural rendeu diversas discussões acerca da questão racial e até mesmo uma imigração branca europeia, como estratégia de higienização da sociedade e branqueamento da nação.

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O projeto nacionalista se intensifica sobretudo no pós independência, com a ambição da construção de um país que era motivado desde o Império. A partir das primeiras décadas do século XX, o Brasil passa a sofrer diversas modificações geográficas e ideológicas, forjado pelos conceitos de “civilização” e “modernização”, vinculada ao fortalecimento do Estado e sobre a validação de intelectuais da época.

Visto isso, a implantação de uma identidade brasileira e a própria noção de civilização estava muitas vezes influenciada pela analogia entre meio (aspectos geográficos) e raça (aspectos biológicos).

Como sustentar uma ideia de identidade nacional num país caracterizado historicamente por desigualdades econômicas, sociais, culturais e políticas?

A “mitologia” da igualdade, a invisibilização das subjetividades, a ideia latente de um sincretismo religioso e a folclorização das culturas que se “misturaram”, são o calcanhar de Aquiles no Brasil, todos estes assegurados por instituições de grande alcance – midiáticas, religiosas e até mesmo pelo Estado. É a partir destas que cria-se no “povo’ um componente emocional, muito importante para impôr legitimidade e reconhecimento a uma “nação brasileira”.

Autores como Nina Rodrigues, Renato Ortiz, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, com pontos de vista distintos e conflitantes, produziram tempos atrás diversos materiais na tentativa de explicar “quem somos nós”, mas essa inquietação ainda se faz presente na contemporaneidade.

Apesar de todas as transformações ocorridas nas últimas décadas, ainda hoje é perceptível, a tentativa de implantar a ideia de uma nação única, que abre mão de avaliar o cenário de desigualdades e de um projeto de invisibilização das subjetividades, fazendo uso da noção de “identidade nacional”, enquanto arma atenuante dos efeitos da crise política.

A “vitória” de um governo de direita, que desde o seu processo de formulação externalizava críticas às subjetividades e singularidades, tornam as eleições de 2018 um reflexo tangível da problemática identitária a que estamos cercados e desse projeto cíclico que atravessa o País desde a sua colonização.

Com discursos que defendiam os setores familiares, religiosos e a sociedade, sobre um viés de unicidade, eleitores, possíveis parceiros no projeto de governo e até mesmo o próprio candidato tornavam essa ideia de nação, na defesa para suas propostas, anunciando-se como porta voz de um todo social.

Mesmo após a globalização, as características específicas de um determinado grupo social ou de um sujeito ainda não são presentes no imaginário social brasileiro, o que acaba sustentando essa ideia de “nação” igualitária.

Como a globalização nos permite expandir o olhar para as subjetividades?

A globalização põe em evidência a fragilidade da unidade em que gira a questão da identidade. A centralidade da nação desloca-se e o espaço da modernidade torna-se um território do qual diversas representações identitárias podem ser construídas.

Autores consagrados pensavam a globalização enquanto algo capaz de quebrar o olhar de unicidade de indivíduos, identidades e nações. Um deles é o teórico social e sociólogo jamaicano Stuart Hall, que via a relação entre globalização, modernidade e identidade como um tipo diferente de mudança estrutural, que atuava transformando as sociedades modernas desde o fim do século XX, fragmentando as paisagens culturais de raça, etnia, classe, gênero e sexualidade.

Segundo ele, essas transformações capazes de abalar estruturas nada mais são que um processo mais amplo de mudança que “desloca as estruturas e processos centrais das sociedades modernas, abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.”

Dado que a construção da identidade brasileira tinha como referência os parâmetros geográficos e simbólicos do País, é com a globalização que o Estado nação perde o monopólio da definição da identidade. E a contar de tal, é possível quebrar a ideia de singularidade, sejam elas em uma nação, em um movimento, em uma representação identitária ou em um indivíduo

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