Daniel Camargos

Daniel Camargos é repórter há 20 anos e cobre conflitos no campo, especialmente na Amazônia, para a Repórter Brasil. É fellow do programa Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center

Daniel Camargos

Prefeitura de BH derruba árvores para playboys brincarem e dificulta união contra a extrema-direita

Abate de árvores para a Stock Car provoca um embate político local, dificultando a união de forças contra a possível candidatura de Nikolas Ferreira

Foto: Bárbara Junqueira / Divulgação
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Faltando poucos meses para as eleições municipais, eis que o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), emerge das sombras. Sendo um desconhecido para 73% dos eleitores, não foi sua pré-candidatura oficializada na última segunda-feira (26) que o colocou em destaque, mas sim, a inusitada metamorfose em meme, distinta do ar de vovô simpático que transmite.

Montagens caricatas de Fuad brandindo uma motosserra e ceifando árvores passaram a ser compartilhadas nas redes sociais. Entre aqueles que zombaram do prefeito encontra-se a deputada federal Duda Salabert (PDT), também pré-candidata.

Foto: Reprodução

Duda rotulou Fuad como “assassino de árvores”, em refercacência à ação da prefeitura de Belo Horizonte: o abate de 63 árvores nas imediações do Mineirão, na região da Pampulha, para a cidade sediar uma etapa da Stock Car.

A Stock Car, para os desavisados, é uma competição automobilística com pilotos que não lograram êxito na elite do automobilismo mundial, ou já se despediram dela, a exemplo de Felipe Massa e Rubens Barrichello. Ao longo dos anos, a categoria tem contado com a presença de filhos de pais abastados, que “paitrocinam” as incursões de seus herdeiros pelas pistas.

Tome-se o exemplo do magnata João Adibe Marques, dono da farmacêutica Cimed, cuja fortuna foi estimada em R$ 4,7 bilhões pela Forbes. Este ergueu uma equipe para que seu filho corresse nas pistas. No grid atual, figuram descendentes de Galvão Bueno, Rubens Barrichello e Nelson Piquet, sendo este último tão próspero que doou R$ 501 mil ao ex-presidente Jair Bolsonaro na última campanha eleitoral.

Para possibilitar que essa elite acelere no entorno do Mineirão, o Conselho Municipal de Meio Ambiente chancelou o abate das árvores. A medida é alvo de contestação por parte de moradores, ambientalistas e políticos. A corrida está agendada para agosto e, segundo acordo com a prefeitura, a etapa em Belo Horizonte será realizada pelos próximos cinco anos. No entanto, as árvores foram suprimidas antes mesmo da conclusão da licença para o evento.

Foto: Bárbara Junqueira / Divulgação

Na quarta-feira (28), alguns políticos se juntaram aos moradores e protestaram ao lado das árvores derrubadas. A deputada Duda Salabert faz um carnaval nas redes sociais com o tema, utilizando o episódio para confrontar abertamente o prefeito, além de tentar impedir a realização da corrida por meio de recursos judiciais e junto ao Tribunal de Contas do Estado, questionando a licitação.

Outros pré-candidatos à prefeitura, como o deputado federal Rogério Correia (PT) e as deputadas estaduais Bella Gonçalves (PSOL) e Ana Paula Siqueira (Rede), também se posicionaram contrariamente à derrubada das árvores. Esse embate torna a missão do presidente Lula (PT) de construir uma frente ampla em BH ainda mais complexa. Fuad, Duda, Rogério, Bella e Ana Paula fazem parte de partidos aliados ao presidente. Setores do PT mineiro acreditam que a estratégia de Lula será pragmática, apoiando a reeleição de Fuad, em um acordo costurado com o PSD do senador Rodrigo Pacheco, do ministro Alexandre Silveira e, sobretudo, de Gilberto Kassab.

Caso essa hipótese se confirme, os nomes terão de ser descartados à medida que a eleição se aproxima e Lula consolide acordos com os líderes nacionais das legendas. O petista Rogério Correia, por exemplo, que ganhou certo destaque durante a CPMI dos atos golpistas, frequentemente almeja uma vaga no executivo, mas acaba sendo atropelado pelas negociações do PT.

A pré-candidatura mais sólida que orbita em torno do campo de Lula é a de Duda Salabert. A deputada federal conquistou 208 mil votos, sendo a terceira mais votada em 2022. Duda mantém firme sua intenção de concorrer, afinal, tem pouco a perder. Caso não seja eleita, permanecerá como deputada e continuará em evidência para disputar as eleições de 2026. Seus ataques contundentes ao prefeito Fuad Noman dificultam um possível acordo costurado por Lula.

Duda, aliás, quando foi eleita vereadora em 2020 prometeu plantar uma árvore para cada voto. Teve 37 mil e passados quase quatro anos não cumpriu o que prometeu. Ela mesmo diz que está no “SPC das árvores”.

Menos ambiciosa, a promessa da prefeitura de Fuad é plantar 688 árvores até a corrida da Stock Car para compensar as 63 abatidas. O argumento mais forte, contudo, é econômico. A realização da corrida pode gerar um impacto de até R$ 285 milhões na economia ao longo de cinco anos, segundo estimativa da Fiemg.

No extremo oposto do espectro ideológico na capital mineira está o deputado federal ultrabolsonarista Nikolas Ferreira (PL), eleito com impressionantes 1,49 milhão de votos, tornando-se o mais votado do Brasil. Nikolas tem afirmado em entrevistas que não concorrerá à prefeitura, mas está disposto a apoiar, fazer campanha e colaborar na administração de outro ultra bolsonarista, o deputado estadual Bruno Engler (PL).

Para se ter uma ideia da influência de Nikolas, somente em Belo Horizonte, ele angariou 306,6 mil votos para deputado federal em 2022. Na última eleição para prefeito, em 2018, Engler obteve 123 mil votos (9,95%), perdendo no primeiro turno para Kalil, que foi eleito com 784,3 mil votos (63,4%).

Nikolas foi um dos poucos escolhidos para discursar na Avenida Paulista no domingo 25, durante o ato liderado por Bolsonaro. “Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas um dia veremos um presidente de direita retornar à Presidência da República do nosso país”, proclamou o político de 27 anos.

A presença de Nikolas, seja como candidato ou cabo eleitoral, confere à eleição de Belo Horizonte um interesse especial em todo o país, conforme análise do professor de antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rodrigo Toniol. Em entrevista ao podcast Café da Manhã, Toniol observou que o resultado em Belo Horizonte pode sinalizar o rumo das eleições de 2026. “(Nikolas) é uma figura curiosa. Um filhote do Bolsonarismo que pode continuar na cena pública por muitos anos”, comentou.

Além de Engler-Nikolas, outros nomes da direita devem concorrer à prefeitura de Belo Horizonte, como o senador Carlos Vianna (Avante) e a secretária do governo de Romeu Zema, Luísa Barreto (Novo). O presidente da Câmara de BH, Gabriel Azevedo, encontra-se à procura de um partido.

Se as legendas aliadas a Lula se unirem em torno de Fuad, o economista de 76 anos enfrentará uma tarefa árdua. De temperamento oposto ao de seu antecessor, Alexandre Kalil, o prefeito Fuad Noman é conhecido por sua fala tranquila, paciente, com oratória técnica e números na ponta da língua durante as entrevistas, mas carece de habilidades para as redes sociais e de tiradas espirituosas. Soa tão anacrônico quanto seus suspensórios.

Com uma longa trajetória de serviços prestados ao PSDB mineiro de Aécio Neves, Fuad não possui a desenvoltura de Nikolas. Além disso, não conta com a carta identitária de Duda Salabert (a primeira trans mineira a ser eleita), que cativa diversos setores da esquerda.

Entretanto, o prefeito pode se beneficiar de uma polarização entre Duda e Engler-Nikolas e se apresentar como uma opção de pacificação. Resta saber se o eleitorado belo-horizontino, que optou por Bolsonaro em 2022 (54,25% dos votos), comprará essa ideia.

Se ungido por Lula, Fuad precisará empregar a motosserra em outras tarefas além de limpar a pista para os playboys. Terá de enfrentar a extrema-direita desde a raiz, confrontando seu representante mais jovem.

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