Daniel Camargos

Repórter especial na 'Repórter Brasil', venceu diversos prêmios por reportagens, entre eles o Vladimir Herzog. Dirigiu o documentário 'Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia' e participou da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center.

Daniel Camargos

Chamado de ‘oportunista’ pelos Bolsonaro, Zema lança candidatura natimorta a 2026

O jeitinho mineiro não escondeu a ausência de aliados relevantes no palco, a fragilidade partidária do Novo e, sobretudo, o pito público que levou dos filhos do ex-capitão

Chamado de ‘oportunista’ pelos Bolsonaro, Zema lança candidatura natimorta a 2026
Chamado de ‘oportunista’ pelos Bolsonaro, Zema lança candidatura natimorta a 2026
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Governador de Minas Gerais, Romeu Zema escolheu São Paulo para lançar sua candidatura à Presidência. Se apresentou como uma espécie de coach predestinado a liderar a direita em 2026. O que ficou evidente, porém, foi o isolamento político e a fragilidade de uma candidatura que já nasce sob risco de ser rifada.

Diante de uma claque de militantes do Novo e ladeado por políticos de menor expressão, como o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol, Zema prometeu varrer o PT do mapa e acabar com a “ditadura do Judiciário”

Se a estratégia foi mimetizar o ambiente bolsonarista, o selo da família Bolsonaro não veio. Ao contrário: no dia seguinte, os filhos do ex-presidente, Carlos e Eduardo, atacaram governadores como Zema, chamando-os de “ratos oportunistas”.

O candidato tentou vender a imagem de gestor eficiente que “reconstruiu” Minas. Diz que pagou salários em dia e atraiu um caminhão de recursos em negócios privados. Os números que não apareceram nos telões contam outra história.

A dívida estadual, incluindo débitos com a União, cresceu 51% sob sua gestão, passando de 124,7 bilhões de reais em 2020 para 188,7 bilhões em 2024. Nas estradas, o quadro é semelhante. Minas convive com buracos e pedágios elevados, enquanto uma obra de 40 milhões de reais recuperou justamente a rodovia que dá acesso ao rancho da família Zema, na divisa com São Paulo.

A intervenção, bancada com dinheiro público, provocou reação na Assembleia Legislativa e levou a oposição a acusar o governador de favorecer interesses pessoais. O Ministério Público arquivou a denúncia. Para críticos, a obra simboliza a distância entre a narrativa de austeridade e o uso dos recursos do Estado.

Zema sancionou, em 2023, um aumento de quase 300% em seu próprio salário, que passou para 41,8 mil reais mensais. Servidores tiveram reajuste de 3% no mesmo período. Ao mesmo tempo, o governo mantém sigilo sobre 25 bilhões de reais em renúncias fiscais.

No primeiro governo, antes do reajuste, divulgava com frequência que doava o salário e apontava a instituição que recebia. Depois do aumento, contudo, mudou de estratégia.

“Não gosto de falar sobre esse assunto porque acredito que não devo me vangloriar por estar fazendo o bem”, respondeu recentemente ao ser questionado se seguia doando.

Desde que foi eleito pela primeira vez, Zema acumula declarações que expõem distanciamento da realidade. Comparou pessoas em situação de rua a carros estacionados irregularmente que deveriam ser guinchados.

Em entrevistas, disse que estados do Norte e Nordeste são “vaquinhas magras que produzem pouco”, sugerindo que apenas o Sul e o Sudeste “fazem o país dar certo”. Relativizou a ditadura militar como “questão de interpretação”. Classificou a Inconfidência Mineira como um “golpe” e chegou a compartilhar uma frase atribuída ao fascista Benito Mussolini.

Na segurança pública, Zema viajou para El Salvador. Visitou o país do ditador Nayib Bukele e elogiou as prisões em massa que reduziram homicídios no país centro-americano, sem mencionar denúncias de torturas e centenas de mortes sob custódia.

Em Minas, proibiu a entrada de cigarros nos presídios sem oferecer tratamento a dependentes, medida criticada pela Defensoria Pública como “abstinência forçada”. Como resultado, houve automutilações e rebeliões.

O evento em São Paulo também expôs contradições na base de apoio. A maior parte dos políticos de direita e extrema-direita não compareceu. Dos três vereadores do Novo em Belo Horizonte, apenas um viajou. O quadro reforça a impressão de que Zema subiu ao palco sem palanque. Fala em liderar a direita, mas não mobiliza nem seus correligionários.

A comunicação, dirigida pelo marqueteiro Renato Pereira (ex-Aécio Neves), tenta viralizar. O episódio da banana engolida com casca, pensado como protesto contra a inflação, virou piada nacional. O gesto ajudou a consolidar a imagem de político performático, mas não de presidenciável competitivo.

O lançamento em São Paulo teve ares de convenção motivacional. O governador veste bem essa camisa com gola polo e carrega no sotaque para parecer simples, apesar da fortuna e dos negócios que herdou da família.

O jeitinho mineiro não escondeu a ausência de aliados relevantes no palco, a fragilidade partidária do Novo, legenda sem tempo de TV e sem fundo partidário robusto e, sobretudo, o pito público que levou dos filhos de Bolsonaro.

Zema entrou na corrida presidencial tentando herdar o bolsonarismo. Saiu do fim de semana rotulado de oportunista. Sem sustentação política, com poucos aliados e sem a bênção da família que deseja suceder.

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