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Surpreendido pela tomada do Talibã, refugiado afegão faz vaquinha para voltar ao Brasil

Com as contas bloqueadas pelo Talibã, Masood usou economias para fugir ao Paquistão; agora precisa de ajuda para comprar as passagens

Surpreendido pela tomada do Talibã, refugiado afegão faz vaquinha para voltar ao Brasil
Surpreendido pela tomada do Talibã, refugiado afegão faz vaquinha para voltar ao Brasil
Prestes a ficar sem recursos, afegão quer voltar ao Brasil o mais rápido possível (Foto: Arquivo pessoal)
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Masood Habibi morou por dois anos no Brasil. Se estabeleceu como vendedor de tapetes no Brás, região central de São Paulo. A vida estava mudando para melhor, mas para a felicidade ser completa ainda faltavam a esposa e o filho de 4 anos. Em maio, a saudade apertou tanto que Masood decidiu ir até a sua terra natal, o Afeganistão, buscar a família. 

Desde então, os dias do afegão tornaram-se uma luta para conseguir voltar ao que chama de casa: o Brasil. O drama de Masood começou com o agravamento da pandemia do coronavírus, que o impediu de retornar em função das medidas sanitárias. Depois, aconteceu o que, segundo ele, ninguém imaginava: a invasão do grupo extremista Talibã ao Afeganistão.

“Ninguém esperava o colapso do governo no Afeganistão, tudo desmoronou com a ‘captura’ do Talibã. As mulheres foram impedidas de frequentar as universidades. As pessoas temiam por suas vidas”, conta Masood. A crise obrigou o afegão a trancar-se em casa com sua família. Os dias que se seguiram foram de terror e medo dos tiros e de ficar sem suprimentos. 

Pouco depois, o último soldado americano deixou Cabul, a capital do país, e as nações europeias encerraram as operações de resgate. Prestes a perder a esperança, Masood criou uma petição, na plataforma Change.org, fazendo um apelo para que o Itamaraty colocasse seu nome e de sua família nos voos de evacuação que ainda estavam saindo em direção ao Catar. 

O abaixo-assinado, que segue coletando assinaturas, está há dois meses aberto e engajou, neste período, quase 50 mil apoiadores. A campanha foi levada ao conhecimento do Itamaraty a partir de uma estratégia adotada pela equipe da plataforma e de assinantes da petição, que enviaram inúmeros e-mails ao ministério cobrando providências sobre o caso. 

Sem respostas do órgão e em completo desespero, Masood reuniu as economias que tinha em dinheiro ‘vivo’ – visto que as contas bancárias tinham sido bloqueadas – e pagou, por valores muito altos, três bilhetes para um voo de menos de 1 hora a Islamabad, no Paquistão. A fuga para o país se deu com a intenção de conseguir os vistos humanitários brasileiros. 

No último dia 3, ele foi até a Embaixada brasileira no Paquistão solicitar os vistos para sua esposa e filho – ele já possui o documento de residência no Brasil. Até agora sem respostas, começa a enfrentar uma outra dificuldade: a falta de dinheiro para se manter em Islamabad e para comprar as passagens aéreas de volta ao Brasil após a emissão dos vistos.

“Os dias não são bons no Paquistão. É claro que estamos em uma situação difícil. Todos os dias temos que pagar as nossas despesas, não temos dinheiro suficiente”, lamenta Masood. O afegão diz querer sair “o mais rápido possível” e, apesar de estar esperançoso, já se preocupa com a data em que a autorização de permanência no Paquistão irá expirar. 

“Vencida a autorização, será mais um problema sair daqui porque a Embaixada brasileira terá que emitir outra documentação para sair do aeroporto”, explica. A autorização de permanência da família no Paquistão tem validade até o dia 24 de dezembro, véspera de Natal. 

Masood sonha com uma vida nova para a esposa e o filho (Foto: Arquivo pessoal)

A vaquinha 

Apoiado pela equipe da Change.org, Masood criou uma vaquinha a fim de reunir a quantia que precisa para comprar as passagens de avião de volta ao Brasil. Ele espera conseguir R$ 62 mil, já que, além de sua família, também tem outros parentes na mesma situação – dois que conseguiram fugir para o Irã e outros três ainda no Afeganistão.

Aberta há três semanas, a vaquinha – que pode ser acessada no link https://sharity.com.br/voltamasood – se aproxima dos R$ 18 mil. Com mais R$ 5 mil, Masood já consegue, pelo menos, a quantia necessária para pagar a sua passagem, da esposa e do filho. 

“Gostaria de agradecer a todos àqueles que doaram, isso significa muito para nós. Com a ajuda deles, poderemos retornar”, afirma. “Eu gostaria de pedir para aqueles que podem doar, que façam isso, pois podem mudar vidas e mesmo pequenas doações levam a uma grande coisa”, apela Masood, que se diz afegão de nascimento, mas brasileiro de alma. 

Aos 30 anos, Masood diz que a vida era boa no Brasil e sonha em retomar os planos que tinha para sua família. Os planos incluem direitos, liberdade e trabalho para a esposa, além do crescimento do filho longe da violência instaurada pelo Talibã e com estudo e lazer. 

O que diz o Itamaraty 

Após a crise humanitária ser instalada no Afeganistão, o Itamaraty divulgou uma nota declarando que estava atento aos pedidos de afegãos com visto de residência no Brasil. Em setembro, o órgão, em conjunto com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, editou uma portaria regulamentando a concessão do visto temporário e de autorização de residência para fins de acolhida humanitária para os afegãos, apátridas e pessoas afetadas pela crise. 

Somente na representação diplomática em Islamabad, a fila pela obtenção de vistos humanitários brasileiros passa de uma centena. A equipe da Change.org entrou em contato com o Ministério das Relações Exteriores para saber a quantidade exata e quanto tempo o processo de concessão tem levado. O órgão, porém, não esclareceu esses questionamentos e informou apenas que, até o último dia 17, havia sido autorizada a concessão de 241 vistos.

Em relação às exigências feitas para a obtenção do documento, a pasta forneceu a íntegra da portaria interministerial nº 24, publicada em setembro. O parágrafo terceiro do artigo 2º diz que para a concessão do visto será dada especial atenção a solicitações de mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência e seus grupos familiares, o que é o caso de Masood.

O órgão também foi perguntado sobre o andamento do processo da família de Masood, mas respondeu que, em atendimento ao direito à privacidade e em observância ao disposto na Lei de Acesso à Informação e no decreto 7.724/2012, informações detalhadas poderiam ser repassadas somente mediante a autorização dos indivíduos envolvidos. 

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