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Milhares se mobilizam na web contra liberação de garimpo em terra indígena

Abaixo-assinado alerta para risco de intervenção nas comunidades e desrespeito aos anseios dos povos indígenas

Milhares se mobilizam na web contra liberação de garimpo em terra indígena
Milhares se mobilizam na web contra liberação de garimpo em terra indígena
Ato contra a liberação da mineração em terras indígenas (Foto: Lula Marques)
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A proposta do governo federal de autorizar o garimpo e a exploração energética de petróleo e gás em terras indígenas está encontrando resistência na sociedade. Além de uma pesquisa do Datafolha ter mostrado que 86% dos brasileiros não concordam com a entrada de empresas de exploração mineral nas áreas, uma petição online reúne assinaturas para pressionar o Congresso Nacional a barrar o projeto de lei assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. 

O abaixo-assinado foi criado por uma cientista social com ênfase em Antropologia e, em pouco mais de duas semanas, já recebeu o apoio de 45 mil pessoas em todo o país contrárias ao projeto. Hospedada na plataforma Change.org, a petição soma-se a outras que buscam mobilizar a sociedade em defesa das comunidades indígenas e que manifestam-se contra recorrentes ataques propagados em discursos de Bolsonaro contra esses povos. 

O projeto enviado para votação da Câmara dos Deputados no último dia 5 autoriza o garimpo e a exploração energética, como de gás, petróleo e construção de hidrelétricas ou termelétricas. No caso da primeira atividade, as comunidades nativas teriam o poder de veto, ou seja, poderiam não concordar com sua realização e o garimpo então deixaria de acontecer, mas em relação aos demais tipos de exploração, os indígenas seriam apenas consultados. 

Para a cientista social e as milhares de pessoas que se juntaram à mobilização online, a proposta não considera os reais anseios desses povos, não garante que a vontade deles será respeitada e, ainda, coloca em risco o meio ambiente. “O que me motivou a fazer este abaixo-assinado foi o objetivo de que as vozes indígenas sejam ouvidas, dar voz a quem foi silenciado”, explica. Renata Souza acredita que a liberação da exploração das terras pode intensificar conflitos entre garimpeiros e indígenas e “por consequência: mortes e violência”.  

Dados preliminares divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que o número de mortes de lideranças indígenas no ano passado foi o maior em 11 anos. Em 2019, 27 pessoas morreram em conflitos no campo, sendo sete delas líderes indígenas. Já no ano anterior, apenas duas entre as 28 assassinadas eram lideranças. A atmosfera de ameaças e o temor de invasões em comunidades foram tema de outra mobilização aberta na Change.org, que reúne até o momento 76 mil apoiadores em defesa do povo Huni Kui, do Acre.  

“A política do governo federal em relação aos povos indígenas é extremamente destrutiva, desconsidera a cultura destes povos, desconsidera a Constituição e incentiva a violência e os conflitos pelas terras”, avalia a cientista social. Renata destaca uma das primeiras medidas em relação aos indígenas que o então recém-eleito governo tentou pôr em prática em janeiro do ano passado: a transferência das funções de demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura. O governo sofreu derrota.  

“As ações governamentais a esse respeito foram baseadas em uma visão quase colonial de que os índios teriam que ser ‘incluídos’ na sociedade como se sua cultura não tivesse valor”, diz. O ato também gerou forte resistência da sociedade à época, o que pôde ser percebido em outra mobilização online responsável por reunir um total de quase 70 mil apoiadores. 

Anseios dos povos nativos

Quando o projeto de lei foi assinado por Jair Bolsonaro e enviado à Câmara, o governo alegou que a proposta dá autonomia e liberdade de escolha aos indígenas para explorarem suas próprias terras, além de ampliar as atividades econômicas nas áreas e trazer segurança jurídica a essas situações. A medida prevê, ainda, o pagamento de royalties e indenização às comunidades para quando a exploração econômica ocorrer por não indígenas.  

Na opinião de Renata, o equívoco da argumentação do governo é achar que os povos nativos têm uma relação com a terra da mesma maneira que os não indígenas. “Para os povos indígenas, a terra é o sagrado, a sua ancestralidade e sua sobrevivência, com rituais, relações sociais e inclusive espirituais. Portanto, achar que os índios devem usufruir da terra como o não indígena é desconsiderar sua cultura, seu modo de viver”, pondera. “A ideia de território para o índio é muito diferente do que é para nós”, afirma a criadora do abaixo-assinado. 

Bolsonaro assinou o projeto de lei no último dia 5 (Foto: Alan Santos/PR)

Outra preocupação das pessoas que se opõem ao projeto de exploração mineral em terras indígenas é o impacto ao meio ambiente. Justamente por isso, ao defender a proposta, o presidente Bolsonaro chegou a dizer que sofreria pressões de ambientalistas e que, se pudesse, os confinaria na Amazônia. A crítica dos opositores do projeto é que o interesse primordial da medida é o econômico, em detrimento da preservação ambiental. 

A cientista social com ênfase em Antropologia não duvida de um impacto ambiental causado, por exemplo, pela contaminação do solo durante as atividades de exploração energética. “O resultado é a degradação do meio ambiente, um exemplo bem claro disso é Belo Monte”, lembra Renata. Construída entre 2012 e 2016, a mega-hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, foi acusada de danos socioambientais ao Rio Xingu e aos povos que viviam às suas margens.

Renata continua coletando assinaturas em sua petição e defende, no lugar da exploração em áreas indígenas, um usufruto da terra de maneira sustentável, ou seja, que não destrua a natureza e nem esgote seus recursos, mas que busque alternativas energéticas mais limpas.

Próximas etapas do projeto de lei

Para que a proposta do Executivo vire lei antes ela precisa ser votada e aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já sinalizou em declarações à imprensa que não dará prioridade à análise do projeto de lei.  

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