Change.org

Advogado cria abaixo-assinado contra fim dos conselhos participativos

Especialista em Direito Eleitoral coletou 178 mil assinaturas por acreditar que extinção dos colegiados impacta na democracia

(Foto: Funai/Governo Federal)
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Interessado em participar da construção da gestão pública, o brasileiro vem nos últimos anos demonstrando uma ânsia cada vez maior de se tornar partícipe das decisões governamentais que desenham os rumos do país. Esse desejo de participação popular pode estar, entretanto, na mira de um decreto presidencial que prevê a extinção de centenas de colegiados e conselhos que contam com a atuação do povo. É o que acredita o advogado Luciano Caparroz Santos, que criou um abaixo-assinado para tentar impedir o fim desses órgãos.

Direito garantido pela Constituição Federal de 88, a participação popular é entendida como um exercício pleno da cidadania. Muitas são as formas de o povo ter sua voz ouvida pelos políticos, o voto e as manifestações de rua, por exemplo, são duas delas. Para o advogado, autor da petição, um terceiro mecanismo pelo qual os cidadãos podem ser protagonistas no processo de gestão pública são os conselhos sociais, que devem passar de cerca de 700 a 50 em decorrência do decreto 9.759/2019, assinado em abril pelo presidente Jair Bolsonaro.

“Vínhamos fazendo um trabalho de estímulo e incentivo para participação da sociedade. Os conselhos são uma forma de participação e o decreto vem extinguindo-os de uma forma muito abrupta, sem diálogo, e exatamente num momento em que a sociedade vai às ruas, que exige participação e quer ser protagonista do processo”, explicou Santos, que é conselheiro e representa a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Conselho de Transparência do Estado de São Paulo. 

Como forma de se posicionar contra a decisão do governo, o advogado especialista em Direito Eleitoral coletou 178.350 assinaturas na petição que segue está aberta na plataforma Change.org. “A petição pública retrata a preocupação e o interesse da sociedade com o tema e a importância que os conselhos têm na formulação de políticas públicas”, destaca Santos em entrevista. No texto do manifesto, o advogado acusa que a medida “representa um grave risco ao Brasil”, já que afeta o direito de grupos autônomos participarem da gestão pública.

O advogado explica que esses órgãos ajudam o cidadão a acompanhar e entender melhor os processos da administração governamental, o que inclui, por exemplo, o planejamento de políticas públicas e a fiscalização dos gastos dos governos. “[As pessoas] vão também se empoderando e tendo uma capacidade maior de entendimento”, detalha. “Com a extinção dos conselhos, a sociedade perde essa participação. É uma coisa muito ruim porque o governo fica também muito isolado e sem uma fiscalização mais próxima”, acrescenta Santos explicando que, por meio dos conselhos, as decisões políticas se tornam mais democráticas porque a população têm uma abertura para dizer qual é a sua vontade.

“Nem sempre aquilo que o administrador quer decidir é o melhor para a população”, diz Luciano Caparroz Santos (Foto: Arquivo pessoal)

Contradições e questionamentos

Luciano Caparroz Santos, que também é cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e presidente do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, aponta que essa medida causa uma ruptura entre a forma que do governo Bolsonaro se apresentava e o anseio da população. “O governo eleito vinha exatamente dizendo ao contrário, que estaria em consonância com esse sentimento [de participação popular] que a sociedade tem”, pondera.

Quando assinou o decreto, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a extinção desses órgãos participativos argumentando que a medida traria uma economia gigantesca e desburocratizaria e reduziria “o poder de entidades aparelhadas politicamente”. Para o advogado criador do abaixo-assinado, entretanto, as pessoas participam dos conselhos de acordo com as suas convicções, independente do governo que está no poder. “Um outro argumento é o do custo desses conselhos, mais de 90% deles funcionam sem remuneração nenhuma, com pessoas voluntárias que participam e dedicam o seu tempo para ajudar a administração pública, suas comunidades, ajudar as cidades, o Estado e a nação”, completa Santos.

Em entrevista coletiva, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni informou que devem existir mais de 700 órgãos do tipo, e que a meta é reduzir para 50. Em maio, a Casa Civil anunciou a primeira fase da extinção, que afetou 55 colegiados considerados “inativos, paralisados, com escopo exaurido ou com temática cuja condução possa ser realizada sem o envolvimento permanente de outros ministérios e entidades”, conforme nota divulgada no site.

Até o dia 28 deste mês, devem ser anunciados outros decretos que revogarão os demais colegiados alvo da medida. Este é o prazo final para que os conselhos apresentem à Casa Civil justificativas para sua manutenção. Devem ser extintos órgãos que contemplam áreas como combate à corrupção, direitos LGBT, indígena, população em situação de rua, direitos da pessoa com deficiência, trabalho infantil, direitos do idoso e trabalho escravo, por exemplo.

O Ministério Público Federal (MPF) divulgou nota em que manifesta preocupação com o decreto e defende que os colegiados devem ser mantidos, especialmente aqueles previstos constitucionalmente ou em tratados internacionais, “em observância ao Estado Democrático de Direito”. Provocado por uma liminar apresentada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar na próxima quarta-feira (12) dispositivos do decreto. O relator, ministro Marco Aurélio Mello, preferiu submeter o caso ao plenário da Corte.  

O advogado criador do abaixo-assinado na Change.org espera que o STF barre o decreto. “A expectativa que a gente tem é que o supremo tenha sensibilidade e que possa olhar com a atenção que exige esse tema”, diz. Um dia antes do julgamento, na terça-feira (11), Santos tentará entregar as assinaturas da petição ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

O outro lado

A equipe da assessoria de comunicação da Change.org entrou em contato com a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do Palácio do Planalto para que a Presidência da República pudesse se manifestar sobre o abaixo-assinado e as críticas feitas ao decreto presidencial, porém, recebeu como resposta que o assunto é de competência da Casa Civil.

Em contato por telefone e e-mail com a assessoria de imprensa da Casa Civil, foi informada que a solicitação seria encaminhada à área técnica do órgão para que pudesse informar o número questionado de quantos conselhos já solicitaram continuidade. Porém, até o fechamento da matéria não recebeu os números. Quanto aos demais assuntos, a Casa Civil não quis se manifestar.

Em seu site oficial, o Planalto divulga que o decreto “busca controlar a proliferação de colegiados no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional por meio da extinção em massa de colegiados criados antes de 1º de janeiro de 2019, cuja recriação não seja proposta de imediato, e segundo rígidas regras destinadas a evitar colegiados supérfluos, desnecessários, de resultados práticos positivos desconhecidos e com superposição de atribuições com as de autoridades singulares ou de outros colegiados”.

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