Change.org
‘Acordei sendo espancada, fui queimada viva e jogada da janela do 3º andar’
Vítima do ex-companheiro, ativista reúne 600 mil assinaturas em petição reivindicando reformulação da lei Maria da Penha
“Lá em 2013 eu não tive nenhum tipo de suporte”, diz Barbara Penna, sobrevivente de um dos milhares de casos de violência contra a mulher que se repetem todos os anos no Brasil. Em uma manhã daquele ano, Barbara acordou sendo espancada. Foi queimada viva e jogada pela janela do terceiro andar, ainda em chamas.
Por pouco, Barbara não entrou para a estatística de feminicídios — um a cada 6 horas e meia, segundo dados de 2020 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Seus filhos não tiveram a mesma sorte. As crianças foram intoxicadas pela fumaça do incêndio causado pelo agressor. O mesmo aconteceu com um vizinho idoso, que tentou socorrê-los, mas acabou falecendo.
“Hoje, após oito anos da tragédia, nada mudou. E me atrevo a dizer que piorou”, lamenta ela. Neste sábado 7, a Lei Maria da Penha completa 15 anos. E o contexto não deixa dúvidas sobre a urgência de sua revisão.
De vítima a ativista, Barbara lidera uma luta pela reformulação da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, batizada como “Lei Maria da Penha”. Parte da mobilização acontece por meio de um abaixo-assinado iniciado há dois anos na plataforma Change.org. Com a petição, ela já conseguiu reunir mais de meio milhão de pessoas (643 mil) que clamam pela garantia dos direitos das mulheres e por um basta ao feminicídio a partir de alterações e adequações na lei, considerada importante, mas insuficiente para salvar vidas.
“Não há de se negar que avanços tivemos, porém, negativamente, ela [a lei] vem se tornando cada vez mais negligenciada por 90% dos agentes públicos e também por uma grande parcela da sociedade”, aponta. A lei, crê Barbara, se tornou obsoleta por não acompanhar os números alarmantes de agressões e feminicídio que acontecem em todos os cantos do País.
A atual versão da Lei Maria da Penha é considerada importante, mas insuficiente
Segundo a ONU, o Brasil ocupa o 5º lugar, entre 84 países, no ranking dos que mais matam mulheres em decorrência da violência doméstica. Conforme mostra o 15º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 1.350 mulheres brasileiras foram assassinadas pelo fato de serem mulheres em 2020 Já em relação às agressões registradas como lesão corporal dolosa, o ano passado contabilizou 230.160 registros.
Barbara tentava pôr fim a um relacionamento abusivo com o companheiro e desejava seguir a vida com os dois filhos pequenos, uma menina de 2 anos e 7 meses e um bebê de apenas 3 meses. Os planos, entretanto, transformaram-se em tragédia. A experiência pessoal e a convivência com outras vítimas fazem a ativista concluir que para se combater os altos índices de violência doméstica é necessário ter de forma explícita, na lei, o que será feito com o agressor, que proteção a vítima e os filhos terão após a denúncia.
A proposta de reformulação
“A Lei Maria da Penha foi uma iniciativa muito bonita. Porém, na prática, infelizmente totalmente ineficaz quando, efetivamente, a vítima necessita de proteção”, afirma a ativista. “Hoje, eu falo com total certeza de que a Lei 11.340 pra gente não funciona”, acrescenta. Ela acredita que a medida precisa ser reformulada tendo como base os relatos das vítimas, já que são elas que provam “todos os dias que o grito de socorro é mais uma voz silenciada”.
Para Barbara, o processo de denúncia também precisa ser melhorado. O que costuma ouvir das vítimas é sempre o mesmo: quando criam coragem para denunciar são maltratadas, ignoradas, desrespeitadas e não recebem a devida proteção adequada.
Três dos 11 pontos de adequação que a ativista sugere para a Lei Maria da Penha são: a exigência de um profissional de Psicologia em cada delegacia da mulher; a construção de uma casa de atendimento da mulher (Casa da Mulher Brasileira) em cada Estado; e a inserção de um adendo no Código Civil Brasileiro para que todo cidadão que se omitir ao presenciar uma agressão contra a mulher seja também responsabilizado por cumplicidade de ato infracional ou omissão de socorro, sendo processado junto com o réu.
Barbara ainda entende que cada artigo e inciso da legislação precisam estar suficientemente claros para evitar brechas na aplicação da norma e “tragédias anunciadas”, sendo preciso um detalhamento das formas de cada mecanismo do sistema, quais são os verdadeiros direitos da mulher e se as necessidades das vítimas serão efetivamente atendidas.
Entre as proposições para a reformulação da lei, a ativista destaca mais dois pontos: o uso de tornozeleira eletrônica para o acusado desde o primeiro dia da medida protetiva; e a retirada do endereço da vítima do boletim de ocorrência. Os outros itens de modificação incluem a obrigatoriedade de ressarcimento financeiro à mulher por parte do réu; medidas que permitam um controle do agressor e assistência da vítima; que os governos forneçam um local para o acolhimento da mulher e filhos; e criação de um aplicativo para atendimento pós-denúncia.
Outra necessidade que Barbara aponta é a de conscientização da sociedade para a identificação e ajuda das vítimas. Ela pede que os governos implementem, nas escolas públicas, abordagem sobre o tema e realizem propagandas nas mídias sociais. “É necessário conscientizar homens e mulheres, falarmos das nossas vivências, nos apoiarmos efetivamente e todos os dias falar e agir para que agressões e feminicídios não aconteçam mais.”
“Temos que ter tolerância zero nesse combate. São vidas ceifadas que não retornam mais, psicológicos destruídos, famílias arruinadas e uma sociedade que carece de atenção”, fala Barbara, que mantém inúmeros posts no Instagram sobre sua história e a petição para alteração da Lei Maria da Penha. “Mesmo me achando pequena, decidi criar um abaixo-assinado com essas modificações”, conta enfatizando que a iniciativa tornará a lei mais punitiva ao agressor.
O grito de basta
Sempre que um novo e recorrente episódio de violência contra a mulher toma as manchetes dos jornais, o grito de basta ao feminicídio e às agressões ganha mais força. Parte desta indignação transforma-se em atos de protesto e ferramentas de mudanças, como o abaixo-assinado criado por Barbara. O caso do DJ Ivis, flagrado em imagens agredindo a ex-mulher na frente da filha, provocou o surgimento de novas campanhas na Change.org.
Uma delas, assim como a de Barbara, chama atenção para a necessidade de fortalecimento da Lei Maria da Penha, a partir de uma revisão. Outra foca nas responsabilidades das redes sociais, como Instagram, Facebook, Twitter e Youtube. A campanha “Não basta tirar do ar, é preciso punir o agressor!” pede que as plataformas sejam obrigadas a comunicar as denúncias de violência contra mulher que aparecem nas redes à polícia e ao Ministério Público.
Já a rapper, compositora e produtora Taz Mureb lançou um abaixo-assinado, acompanhado de uma música-manifesto pelo fim dessa violência. Intitulada “Mete a Colher”, a ação já engajou mais de 13 mil apoiadores na plataforma. Outra campanha cobra por acessibilidade para que mulheres surdas consigam realizar denúncias. Há um projeto de lei (nº 5995/2019) aguardando andamento na Câmara dos Deputados sobre esse tema.
“É necessário um meio de comunicação acessível para mulheres com deficiência auditiva, surdas e com impedimento na fala realizarem suas denúncias e pedido de socorro em casos de emergência. Por isso, precisamos discutir e aprovar o PL 5995/2019, já aprovado no Senado Federal”, destaca a petição, que segue aberta e já reúne quase 15 mil apoiadores.
Serviço
Para denunciar casos de violência contra a mulher, sendo vítima ou testemunha, ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher). O serviço registra e encaminha as denúncias aos órgão competentes. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Atende todo o território nacional e também pode ser acessado em outros países.
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