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Violência policial, propulsor dos homicídios no Brasil

As mortes decorrentes de intervenção policial cresceram 55% em dois anos e passaram de cinco mil em 2017. Prova de descontrole, não de eficiência

Estudos mostram que a cada três mortes cometidas por policiais, outra ocorre em consequência
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Por muitos considerada como símbolo de eficiência, diante do aumento da criminalidade, o número de mortes cometidas por policiais mostra o descontrole da política de segurança pública brasileira.

Em outros países com políticas de segurança pública mais eficientes, esta “postura ativa”, no linguajar policial brasileiro, é normalmente considerada reflexo de falta de comando e de treinamento policial para agir de forma inteligente e coordenada diante de uma situação crítica.

No período de 2015 a 2017 a taxa de homicídios do País cresceu de 29,9 a 30,8 mortes por 100 mil habitantes. Com o crescente número de assassinatos nos últimos anos (63.895 somente em 2017), o Brasil se tornou a nação onde mais se mata no mundo. A taxa de homicídios brasileira está entre as 15 maiores do planeta.

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O crescimento das taxas possui também vínculo com a expansão do PCC (Primeiro Comando da Capital) nas regiões Nordeste e Norte. Infelizmente, não seria surpreendente se entre os 5.159 assassinados pela polícia em 2017 existissem centenas de ‘Amarildos’.

O fracasso no combate às facções criminosas também demonstra a precariedade da atual política de segurança pública nacional, baseada em ações desproporcionalmente violentas nas ruas, no encarceramento em massa e maus tratos no sistema prisional, que acaba por arregimentar ainda mais integrantes a estas facções.

Mesmo o aumento de 133,2% da mortandade por policiais desde 2013 não conseguiu reduzir a taxa de homicídios nos últimos anos. Apenas entre 2015 e 2017, a THIP (Taxa de Homicídios por Intervenção Policial) elevou-se em 56,2% (de 1,6 para 2,5), enquanto a geral cresceu 6,6% (de 28,9 para 30,8).

Por comparação simples pode-se perceber na tabela a seguir que na grande maioria dos estados onde a violência policial letal aumentou, a violência não se reduziu, muito ao contrário. Entre 2015 e 2017, nos estados do Amapá, Acre e Rio de Janeiro, os três onde os homicídios cometidos por policiais mais cresceu, a taxa geral aumentou 41,1%, 136,7 e 32%, respectivamente.

Por outro lado, em Rondônia e no Mato Grosso do Sul, onde a violência policial reduziu em 0,4 pontos percentuais e 0,1, respectivamente, a taxa também se reduziu, em 5,8 pontos e 3,1.

A próxima tabela  resulta de um agrupamento dos resultados da variação das taxas por faixa de variação das mortes cometidas por policiais entre 2015 e 2017.

 

A categoria que abarca os estados da federação que tiveram uma variação superior a 2 pontos percentuais neste quesito apresentou variação média de de 3 pontos dos homicídios por policiais e uma variação média da taxa de 9,6 pontos. A segunda categoria, que abarca a faixa de 1 a 1,9 ponto percentual de crescimento dos assassinatos por agentes públicos apresentou crescimento médio de 1,6 ponto neste quesito e 7,2 pontos na taxa geral.

A categoria mais diversa de resultados é a de estados com variação positiva da THIP até 0,9 pp entre 2015 e 2017. Com a média da variação de ambas variáveis em 0,3, pode-se supor que o aumento mais sutil da violência letal policial possui baixa ou muito baixa influência nos resultados da TH.

Por fim, pode-se observar um resultado alvissareiro, os três estados que apresentaram redução da violência policial no período analisado, também obtiveram redução nas respectivas taxas de homicídio, em média de 5,4 pp.

Para verificar e mensurar esta tese, analisaram-se diretamente as duas variáveis de oscilação das taxas de homicídios por policiais e o índice geral entre 2015 e 2017, como disposto na primeira tabela. A hipótese estatisticamente testada é que as oscilações da variável independente “Variação da THIP” influenciam diretamente as oscilações da variável dependente “Variação da TH”.

Para tal foi elaborado inicialmente um histograma de dispersão, que apontou a relação linear entre as duas variáveis citadas. Em seguida foram utilizadas as técnicas de “Coeficiente de Correlação de Pearson” e “Regressão Linear”.

A tabela acima apresenta uma síntese dos resultados destes cálculos. O Coeficiente de Correlação de Pearson de 0,588 comprova a associação entre as variáveis. A significância de 0,001 e o indicador de outliers Durbin-Watson mensurado em 1,4 garantem a alta confiabilidade deste resultado.

O indicador mais expressivo desta tabela é, porém, o “R quadrado”. Ele indica objetivamente que os resultados da variável “Variação da THIP” (onde 88,9% dos resultados apontam para o aumento da letalidade policial) influenciam em 34,6%, no mesmo sentido, os resultados da variável “Variação da TH”, sejam para aumentá-la ou reduzi-la.

Tal resultado permite dizer que, a cada três homicídios cometidos por policiais, um outro (34,6%) ocorre em consequência. Desta forma fica confirmada a tese de que o aumento excessivo dos homicídios cometidos por policiais acaba por gerar ainda mais assassinatos em retorno a estas ações.

E este é apenas um dos resultados que demonstram a prioridade que devem merecer outras políticas de segurança pública em detrimento da atual prática da violência policial, seja na reforma do sistema penitenciário, no uso da inteligência para prevenção da violência, na alteração das políticas de redução de homicídios ou combate às drogas e no investimento de qualificação e valorização do profissional de segurança do País.

*Ronnie Aldrin Silva é geógrafo pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de publicações sobre as temáticas de exclusão social, mercado de trabalho e gestão pública. É diretor do Departamento de Estudos, Pesquisas e Indicadores da Secretaria de Planejamento e Gestão de Osasco

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