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O que fazer com a “nova política”?

Bolsonaro não foi eleito em nome de uma classe nem sob a legitimidade de uma pauta

Bolsonaro entre a PEC da Previdência ao presidente da Câmara: sem vida fácil no Congresso
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Não precisamos ser pragmáticos a ponto de recorrer à realpolitik alemã para ter um argumento contrário à maneira como o governo Bolsonaro se portou nesses seus primeiros meses de governo.

A completa falta de traquejo para lidar com o Congresso, a troca de espaços mais adequados de discussão pela supérflua agilidade do Twitter e a ausência de uma articulação política sólida devem apontar, na verdade, para duas coisas: a falta de uma agenda política verdadeira e de uma ligação com uma base social. Eu diria “desgoverno”, se esse não fosse um termo indulgente demais para algo que não é governo de nenhuma espécie, para o mal ou para o bem.

Seríamos incautos e pedantes se não reconhecêssemos que o voto de confiança que milhões de brasileiros depositaram em Bolsonaro em outubro de 2018 expressa uma insatisfação generalizada, e, aliás, não destituída de motivos, contra a organização e os rumos do País. Ela, no entanto, não encontrou representante melhor do que o falastrão mais cínico. Pois acontece que essa insatisfação não passou do “mudar isso daí”.

Palavras intrépidas e completamente destituídas de conteúdo, que despencam em silêncio assim que se pergunta “como” ao presidente ou à grande maioria de seus ministros. Não penso que o governo Bolsonaro seja mais do que a institucionalização do senso comum ao nível de um projeto nacional.

A retórica da “nova política” é uma tática de combate bruto, que, por não ser capaz de contrapor ao que efetivamente está aí um conjunto de ideias sólido e coerente, não pode fazer mais do que continuamente mobilizar suas forças contra o estatuto do sistema político.

Bolsonaro não foi eleito em nome de uma classe nem sob a legitimidade de uma pauta. Ele foi eleito com um grito de protesto, e isso apenas. Nem mesmo seu patriotismo é confiável – estamos falando do homem que bateu continência para John Bolton. Seu nacionalismo só faz sentido enquanto forma de combater os inimigos imaginários de um País em risco ilusório de intentona comunista.

O projeto anticrime de Sergio Moro também não faz mais do que converter em lei aquele outro lugar-comum que acredita que a violência policial pode coibir o crime. Enfim, estamos lidando com gente que acha que não precisa pensar ou pesquisar para lidar com os problemas do Brasil.

Nesse sentido, carecemos verdadeiramente é de ideias que sejam capazes de sensibilizar o povo, e “Lula Livre” não é uma delas. Não é o caso de deixarmos de fazer coro em seu apoio nem de esquecermos da violência política envolvida na prisão do ex-presidente, que, logo antes de ser encarcerado já notara que “Lula” não designava mais uma pessoa, mas uma ideia, e uma ideia que marcará profundamente os anos em que vivemos.

Como Lula escreveu recentemente na Folha, o debate sobre a sua prisão é indispensável ao debate pela democracia no Brasil. Mas também não é o caso de reduzirmos uma questão pela organização e pelo futuro do Brasil à defesa do legado de um líder e de um partido.

Para a esquerda, o que urge sempre é olhar para os problemas concretos do presente e as demandas inadiáveis que ele impõe à vida das massas. O comprometimento de uma esquerda responsável hoje é de insistir junto a todas as vozes marginais, mas sem se esquecer dos problemas econômicos que marcam sua origem desde as Internacionais Socialistas.

A esquerda deve olhar e lutar contra os índices de desemprego, atentar para a política externa e zelar pela validade e pela universalidade do bem-estar social, quando nem mesmo uma caducante “terceira via” consegue mais se viabilizar diante dos discursos inflamados da extrema-direita internacional. Por isso mesmo, o comprometimento crítico e teórico permanecerá tão vital quanto a atenção aos desejos e às carências do povo.

A “nova política” não é mais do que um termo ilusório para uma república que perdeu completamente a segurança de seu contrato social. A esquerda deve perceber que a governabilidade democrática, que já custou um golpe político e uma eleição farsesca, só voltará quando um partido fundar sobre as demandas vivas do povo uma plataforma política concreta, que aproxime outra vez as universidades e a grande população. Muitos já o disseram, mas é urgente insistir nesse ponto.

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