Blog do Sócio

Brasil: Entre o descaso e o esquecimento

A história e a cultura brasileira ainda serão muito maltratadas antes de agirmos com consciência diante das desigualdade

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Não considero fortuito, mas simbólico, que o Brasil tenha eleito Jair Bolsonaro dois meses após o incêndio do Museu Nacional. Seria preciso meditar essa casualidade exemplar de vermos, em tão pouco tempo, reduzir-se a pó um tesouro de nossa história e de nossa cultura e, de outro lado, emergir com impressionante apoio popular um governo de ares autoritários, invocando continuamente os espólios da ditadura. Eu não separaria o descaso do esquecimento.

Passamos agora pelos cinquenta anos do AI-5, menos com a grave dignidade da história que, atormentada pelos seus erros, nos edifica, do que com as incertezas de estarmos repetindo rumos perigosos. E talvez similares o bastante para mostrar que nossa inaceitável omissão em não responsabilizar os criminosos da ditadura, ou resgatar o legado de quem foi vilipendiado e, em não acertarmos as contas com um movimento decisivo de nossa constituição como país, nos custará o preço da ignorância voluntária.

Não me parece ousado dizer que preservamos muito pouco e não aprendamos quase nada com a passagem dos anos. E não venha com isso de ‘pouco tempo. Apenas dois anos depois da assinatura da Lei Áurea, o Hino da República já dizia:

“Nós nem cremos que escravos outrora/ Tenha havido em tão nobre país.”

Fomos mesmo capazes de reinstaurar um pacto democrático em 1988 sem mandarmos embora das instituições federais os mesmos homens que fizeram e deram manutenção ao golpe. Desejosos de esquecer os fardos que ficavam pelos cantos, foi-se em frente no embalo das ideologias e de promessas irresponsáveis.

Mas esse tipo de coisa não jaz quieto no subsolo de uma sociedade. As memórias mal-digeridas vivificam os piores sentimentos.

Certamente embebida deste e daquele interesse econômico, a ordem política do Brasil preferiu passar panos quentes sobre os acontecimentos das últimas décadas e ignorar quando um deputado federal elogiou publicamente um notório torturador.

Me espantou menos o que Bolsonaro disse do que o silêncio que se seguiu. Qualquer sociedade mais civilizada e digna, teria condenado veemente aquele atentado contra a nossa história. Mas o Brasil hoje deixa claro que a negligência para com a história não pode levar a nenhum outro lugar do que a perversão da vida pública.

Como país, talvez existamos à revelia de nossa própria realidade. Somos um país que, fraco de lembrança e de identidade, recorreu frequentemente à força bruta para se pôr de pé. Um sujeito efetivamente político traz consigo a história do que o antecede, o indivíduo político, muita vez inconsciente, é um resumo do mundo que o formou.

A história e a cultura brasileira ainda serão muito maltratadas antes de agirmos com consciência diante das desigualdades seculares que nos formam e das inúmeras violências que elas geraram.

Nesse sentido, chamaria a eleição de Bolsonaro antes de perversão do que de verdadeira política. Nela, não agiram democraticamente os verdadeiros atores sociais.

O voto em Jair Bolsonaro é, em última instância, um voto de extremo desconhecimento do que é o Brasil e do que é a vida em sociedade. Não acredito que o Brasil teria reconduzido democraticamente as sombras dos ditadores à presidência se não fosse ao, mesmo tempo, o país que deixou incendiar-se a casa de D. Pedro.

Como naquelas famosas linhas de Walter Benjamin, o anjo da história foge aterrorizado…

*Sócio desde 2018

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