Blog do Sócio

A decisão do STF sobre o sacrifício de animais

Todas as práticas que envolvem a morte de animais deveriam ser repensadas, então. E não através do punitivismo

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Ainda sobre o julgamento do STF que trata do sacrifício de animais em cultos religiosos. O tema é espinhoso. Como todo mundo sabe, o STF julgou há poucos dias que um item de um artigo da lei 12.131/2004 do Rio Grande do Sul, que permite o sacrifício de animais em práticas religiosas, foi considerado constitucional.

O tema gerou muitas controvérsias, como já era esperado. Muita gente se posicionou contra a decisão, considerando o sofrimento dos animais.

Vou fazer um paralelo, que não é direto, mas ajuda a pensar. Na época da discussão sobre a descriminalização do aborto no Uruguai ficou famosa uma frase do Mujica em que ele dizia algo como: “ninguém é a favor do aborto, mas ele está aí na sociedade e não podemos fechar os olhos para as mortes que sua criminalização causa” (via procedimentos médicos clandestinos).

Não acredito que as pessoas sejam a favor da morte de animais, mas ela existe, é parte da sociedade. O sacrifício de animais em práticas religiosas também é, e ninguém precisa concordar com isso.

Mas faria sentido criminalizar essa prática, que resultaria numa caça punitivista maior do que já temos hoje por participantes de certos cultos? Que resultaria na prisão de quem segue o culto, ou seja, num aprisionamento maior ainda do povo negro? Acho que não. Alguém poderia argumentar que através do rigor da lei esse tipo de atividade diminuiria. Será?

Um culto tão antigo seria inibido por se tornar inconstitucional? Difícil saber, mas estou certo que isso serviria para aumentar a sanha punitivista contra determinados estratos da sociedade.

Enfim, se o sacrifício de animais incomoda, deve haver outros meios de modificar a prática que não através de medidas punitivas e legais, que resultariam num quadro de perseguição no qual para resolver um problema se causaria outro.

Vale lembrar que a morte e o tratamento de animais pela indústria alimentícia é tida como selvagem e em geral a sociedade convive com isso sem grandes transtornos morais. Importante lembrar também que a prática do sacrifício não é exclusividade das religiões de origem africana, vide perus de Natal, peixes da semana Santa e afins.

Criminalizar ou legislar sobre assunto que envolve tanta cultura e grupos que sofrem opressão não parece uma boa solução, ainda que a questão da morte de animais tenha um cunho moral relevante. Mas todas as práticas que envolvem a morte de animais deveriam ser repensadas, então. E não através do punitivismo.

Em tempo 1: a lei cujo caput do artigo foi julgado constitucional pelo STF tinha como penalidade à sua desobediência multa administrativa e não prisão. Mas a sua declaração de inconstitucionalidade (de artigo que excluísse religiões de origem africanas da pena) abriria um precedente para penalizações mais rigorosas como a reclusão.

Em tempo 2: quem entende do assunto já disse que o sacrifício de animais em cultos religiosos atualmente ocorre de forma bem menos frequente do que no passado. E que os animais usados são galináceos e caprinos.

Em tempo 3: me lembro de quando eu era criança e minha avó matava galinha na cozinha quebrando o pescoço da ave pra fazer ensopado caipira no sítio. Todo mundo comia feliz da vida. Minha avó nunca foi condenada por causa disso.

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