Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Martinho da Vila: Sou brasileiro como qualquer um

Cantor e compositor lança álbum Negra Ópera referenciando a negritude com som operístico

Foto: Divulgação
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A primeira faixa é uma orquestra, regida pelo maestro Leonardo Bruno, que tem o nome do título do disco: Negra Ópera. Algo fora do comum para um disco de Martinho da Vila.

“Como as óperas têm sempre uma abertura orquestral, queria que fizesse uma abertura, com poucos instrumentos. Ficou maneiríssima”, afirma o cantor, compositor e escritor em entrevista a CartaCapital. No final da música instrumental, Martinho entoa: “Zumbi do Palmares, Zumbi”.

“Falei no final (da faixa de abertura) para deixar caracterizado que o disco todo vai girar em torno da negritude”, justifica. E assim sai o novo trabalho do músico, lançado na data que lembra a Abolição da Escravatura, 13 de maio.

“Meus discos são muito alegres, muito ritmo, muita orquestração. Resolvi fazer uma coisa mais intimista. Aí pensei na ópera. Vou tenta fazer uma coisa dramática, que é diferente das coisas que faço. Me entusiasmei e consegui fazer.”

O disco de 12 faixas Negra Ópera tem regravações e três inéditas, com a participação do rapper Will Kevin, Preto Ferreira (filho do Martinho), Mart’nália (filha), Chico César e Renato Teixeira.

Sobre Teixeira, para quem pode achar estranho, eles são amigos de longa data e se encontraram pela primeira vez em 1967 num festival de música em São Paulo. Eles gravaram no álbum A Serra do Rola Moça, poema de Mário de Andrade musicado por Martinho da Vila.

“A minha gravação original ficou muito balançada. Queria que ela ficasse mais dramática. Aí falei com Renato, pedi pra ele fazer o arranjo e tal. Aí ele fez aquela coisa mais miúda e ficou maneiro”, diz.

As três inéditas são Diacuí, Dois de Ouro e Exu das Sete. Diacuí foi composta há bastante tempo por Martinho. Era um samba de quadra que ele havia feito na escola de samba a que pertencia, Aprendizes da Boca do Mato. Na gravação no disco ficou mais séria, com tom de samba tradicional.

Diacuí é uma história verdadeira. Um dos irmãos indigenistas Villas-Bôas se apaixonou por uma índia, trouxe-a para o Rio de Janeiro, casaram-se, depois ele a engravidou e acharam por bem que ela tivesse a criança na tribo. Mas ela veio a falecer durante o parto.

A história foi amplamente tratada na época, segundo o músico, e sensibilizou bastante as pessoas. “Eu vi o Villas-Bôas falando da Diacuí e fiz a música em cima disso”, conta.

Dois de Ouro é uma capoeira e referencia um personagem que Martinho conheceu na Bahia.

A terceira inédita é Exu das Sete. “O Exu era visto de uma maneira errada. Comparavam com o demônio. E o Exu é correspondente ao anjo da guarda na religião católica. Cada um tem um Exu. O meu é o Sete Encruzilhada. Aí fiz uma música para ele”, explica.

Há regravações no álbum, como o belíssimo samba-enredo de 1969 Heróis da Liberdade (Mano Décio da Viola, Manoel Ferreira e Silas de Oliveira). “Esse samba é impressionante. Ele foi feito numa época complicada do Brasil e cantou os heróis da liberdade. História do negro, sofrimento”, lembra Martinho. “A censura não atuava nas escolas de samba e depois desse samba passou a atuar, a proibir alguns.”

Outras regravações de destaque são Malvadeza Durão e Acender as Velas, de Zé Ketti, Linda Madalena, do próprio Martinho, e Iracema, de Adoniran Barbosa.

Martinho da Vila lança o disco em São Paulo neste final de semana e no Rio de Janeiro no próximo. Depois, segue em turnê pela Europa, obviamente passando por Portugal, onde é tão conhecido quanto no Brasil.

Ele conta que certa vez chegou a Portugal e percebeu que havia perdido o passaporte. O setor de imigração português contatou o então cônsul brasileiro e o liberou de ir até o consulado para providenciar um passaporte, com a condição de retornar à imigração para o devido registro de entrada no país.

“Eu sou mais um brasileiro como qualquer um. Que as pessoas leiam bastante. Quem lê muito, aprende muito. Tem gente formada, com pouca cultura geral, que só lê aquelas coisas inerentes à sua função. Leiam qualquer coisa”, sugere o músico, que virou personalidade da cultura brasileira também por endereçar sua arte à literatura – aliás, Martinho lançou um livro recente que conta a história de sua família.

Assista à entrevista de Martinho da Vila a CartaCapital na íntegra:

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