Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

É preciso discutir o encontro da música com a política

Livro lançado neste ano oferece alguns subsídios para debater o assunto

Foto: Dhavid Normando/Riotur.
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No livro recém-lançado Música e Política: Subsídios para um Debate Popular (Kotter Editorial), o doutor em ciências sociais pela UFPR Fernando Marcelino destaca algo que é muito cristalino no País hoje. 

Cita o sociólogo: “Durante o começo do Século XXI, apesar do governo federal de centro-esquerda liderado pelo Partido dos Trabalhadores a partir de 2003, paradoxalmente, se mantém a instalação gradual de uma hegemonia cultural de direita que teve início na década de 1990. Enquanto a esquerda passou a privilegiar os aspectos econômicos, a direita trouxe o debate político para aspectos culturais”. 

O resultado dessa transformação está atualmente consolidado e será, por certo, um dos desafios a serem enfrentados por um governo progressista que venha a ser eleito no final do ano. 

Os festivais de música de 1960, em plena ditadura, foram o marco do encontro da música com a política de forma mais densa, clara e direta. Não à toa o então governo tratou de adotar a censura oficial no meio.

Na mesma época, alguns importantes movimentos musicais surgiram, divididos na obra literária como tropicalistas e neotropicalistas, suplantados posteriormente pelo sertanejo, na altura do governo Collor. Pode-se dizer que o rap chegou a desenvolver de forma contundente e objetiva a temática sociopolítica em suas músicas nos anos 1990, mas a repercussão ficou convenientemente centrada na periferia.

O livro Música e Política: Subsídios para um Debate Popular foi organizado por Jonas Jorge da Silva, Naiara Andreoli Bittencourt e Ricardo Prestes Pazello e é composto por textos assinados por pesquisadores e músicos, a partir de um curso promovido pelo Centro de Formação Milton Santos-Lorenzo Milani em Curitiba.

Samba da Mangueira

O fato é que em anos recentes projetos musicais com tom forte político ressurgiram em tempos de obscurantismo. Sambas-enredos politizados, ainda que de forma pontual, como a História para Ninar Gente Grande (2019), da Mangueira, talvez tenham sido a face mais visível desse movimento, pelo menos nas classes mais baixas da sociedade.

É preciso levar em conta que o período da formação moderna da música brasileira, no início do século XX, foi marcado pela perseguição. O samba foi duramente reprimido, antes de ser apropriado e adaptado pela indústria do disco.

O livro traz essa memória, sem deixar de citar as mulheres revolucionárias desde os anos 1930 até a década de 1970, que tentaram romper barreiras para se imporem por meio da música. Alguns exemplos: Carmen Costa, Marília Batista, Zilda do Zé, Dona Ivone Lara.

Em tempo de badalação em torno de Nara Leão – que faria 80 anos em 2022 – e a afirmação de uma mulher de classe média alta disposta a tratar temas sociais no seu início de carreira, foi bem lembrado no livro, com a gravação que ela fez em 1966, da música Favela (Padeirinho e Jorginho Pessanha). 

A canção, como descrita no livro, dá as dimensões social, territorial, organizativa e política da precarização urbana. Diz a letra: “Cada pobre que passa por ali/ Só pensa em construir seu lar/ E quando o primeiro começa/ Os outros depressa procuram marcar/ Seu pedacinho de terra pra morar”. Disso nasceria a favela.

A arte despolitiza esconde muito mais do que o discurso “insentão”: ela atende ao politizado negócio da música. O livro ajuda a trazer essas reflexões.

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