Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Batida rítmica do funk é de origem afro-brasileira, diz pesquisador

Meno Del Picchia, antropólogo e coordenador de curso sobre o gênero, afirma que músicos acadêmicos rejeitam o tema

Foto: Divulgação
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O funk é um dos gêneros musicais mais populares entre a juventude urbana e reflete de maneira cristalina ideias e visões de mundo de uma parcela expressiva da sociedade. Surgido há cerca de três décadas no País, no entanto, sofre com a falta de compreensão musical.

“Muito pouco ou quase nada se estuda sobre o gênero de forma séria e respeitosa nos departamentos de Música das faculdades e universidades brasileiras. Antropólogos, sociólogos, historiadores e jornalistas vêm se debruçando em pesquisas sobre funk, mas os músicos acadêmicos, não”, avalia Meno Del Picchia, antropólogo e professor de Música da Faculdade Santa Marcelina.

O músico-pesquisador coordena o curso de extensão Arte e Quebrada, Musicares Brasileiros: o Funk e seu Universo Cultural, com início nesta segunda-feira 9. Uma das propostas é apresentar uma metodologia etnográfica musical e relacionar o fazer dos funkeiros com as condições de vida.

Na sua tese de doutorado sobre o tema, defendida em 2021 na USP, Meno Del Picchia investiga o assunto a fundo.

“A gênese criativa do funk contemporâneo agrega vivências na rua e ‘cybervivências’, envolvendo agentes humanos e não-humanos, como computadores, softwares, redes sociais”, afirma.

Para o estudioso, basta analisar os dados das rádios e da televisão, dominados pelo sertanejo. “Quando olhamos os números na internet, isso muda de figura e o funk sobe para o topo, ao lado do sertanejo, como um dos gêneros mais populares do Brasil.”

Del Picchia avalia que isso ocorre devido ao preconceito contra o funk por curadores e programadores das classes média e alta responsáveis pela programação de rádios e canais de TV.

“Na internet a coisa é mais livre, na medida em que o público pode escolher o que deseja ouvir”, diz. Ele cita como exemplo o Kondzilla, um dos canais de Youtube mais populares do mundo e que começou sua trajetória divulgando clipes de funk ostentação no início dos anos 2010.

“Kondzilla foi, a meu ver, uma das grandes forças responsáveis pelo avanço do funk na internet”, afirma, acrescentando o fato de a inclusão digital ter se expandido no País.

A pesquisa de Meno Del Picchia também trata do preconceito ao gênero, que, segundo ele, tem diminuído.

“O curso de extensão é uma das formas de se problematizar e tentar diminuir o preconceito contra o funk. O ponto de partida é tratar o funk como uma forma de arte legítima”, pontua. “Talvez a questão do preconceito hoje seja até mais etária do que de classe social. A juventude rica já consome funk há alguns anos.”

Os estudos acadêmicos de Del Picchia também abordam os chamados “fluxos” de funk, manifestação central que envolve estética, dança, sexualidade, política (ocupação do território urbano), novas tecnologias de amplificação sonora (os paredões de som), economia local, música e entretenimento.

A clave rítmica central do nosso funk é de origem afro-brasileira. A batida rítmica que, quando ouvimos, imediatamente identificamos como funk está presente em manifestações como maculelê da capoeira e toques de congo do candomblé”, explica.

“Dessa forma, o ritmo do funk é um ritmo ancestral, está conectado com as origens da cultura afro-brasileira, assim como o samba, o maracatu, o baião. É fruto desse entroncamento histórico das populações escravizadas que, ao serem trazidas para território brasileiro, reinventaram suas tradições.”

No caso do nosso funk, Meno Del Picchia afirma que esse entroncamento ainda absorveu elementos afrodiaspóricos do rap norte-americano, conectando por meio da música experiências sociais e culturais distantes geograficamente, mas próximas em relação à história de violência e desigualdade.

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