A Redoma de Livros por Clarissa Wolff

O romance está muito vivo, afirma Carlos Eduardo Pereira

O escritor, que prepara um novo livro, se diz otimista com o cenário cultural do País

Pereira debruça-se sobre um novo romance (Foto: Divulgação)
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Carlos Eduardo Pereira prepara um novo romance. “Espero que ele aborde muitos assuntos, mas, se tiver que definir um eixo central da coisa, acho que é o colorismo. Um tema que está por aí, que interessa (ou confunde) muita gente, e que estou investigando como fica se o racismo rola entre integrantes de uma mesma família de negros no Brasil”, adianta o autor.

Seu livro de estreia, “Enquanto os dentes”, foi recebido pela crítica e pelos leitores com entusiasmo, elogiado por Cristovão Tezza na orelha do livro e considerado “uma aposta na boa literatura” pela editora Todavia. Confira a entrevista com o autor abaixo.

Você se descobriu escritor tarde. Como você percebe o ambiente literário dessa perspectiva? Você vê uma crise na literatura, “a morte do romance”, todas essas coisas que se fala?

Eu comecei mesmo tarde na literatura. Aconteceu, o que acaba me trazendo uma ou outra vantagem. Talvez justamente por isso eu não consiga enxergar essa crise na produção literária, ao contrário.

Vejo é um cenário rico em autoras e autores que têm o que dizer, e que dizem.

Vejo a cada semana uma editora nova a surgir, apesar das dificuldades, e publicando títulos excelentes. O fenômeno da auto-publicação. As oficinas literárias. Vejo incontáveis clubes de leitura espalhados pelo país, e fora também. De onde estou, posso ver que o romance (e o conto, e a poesia, e o teatro, e o ensaio) está muito vivo, e muito bem de saúde.

No seu livro de estreia, a gente segue o Antônio muito perto, mas a narrativa é em terceira pessoa. Foi uma decisão ou foi natural?

Entendo o narrador como o elemento mais importante na estrutura de um texto ficcional. É aquele cara que chega para o leitor e fala senta aí que eu vou te contar uma história. É um personagem, ainda que opte por não se apresentar propriamente. Com seus interesses na trama, sua maneira específica de enxergar o que se passa. Desde o princípio foi uma escolha minha construí-lo como uma voz em terceira pessoa, mas uma voz andando junto, apontando para o leitor algo do que aconteceria com o protagonista, dizendo olha aqui o que o Antônio está fazendo, tenta sentir o que ele está sentindo. Do contrário, se optasse por um narrador em primeira pessoa, as experiências vividas pelo Antônio poderiam ser encaradas como experiências apenas dele, gerando um distanciamento que não me interessava.

Existe uma intenção política no seu livro ao falar de um personagem gay, negro e cadeirante?

Tem sim uma intenção política em construir um personagem que é gay, negro e cadeirante, e que é muitas outras coisas também. Tudo conta num romance, nada é por acaso. Esses são exemplos de pautas que me interessam pessoalmente, e por isso acho importante tratar delas no meu trabalho. Acontece que não gostaria de que esses aspectos soassem panfletários, ou ganhassem um destaque desproporcional. Primeiro porque ficaria muito chato, e ainda porque eu acredito demais no poder que a ficção tem de tocar os leitores. Vejo o Antônio como um cara que tem suas virtudes e seus defeitos, que nem todo mundo, que batalha atrás de grana, que tem lá suas motivações, para muito além de defender uma ou outra bandeira.

Você comentou sobre a intenção de criar uma mudança de paradigma na forma que o leitor vê o mundo, colocar o leitor em cima de uma cadeira de rodas pra tentar entender como toda a perspectiva de mundo funciona em uma situação diferente. Essa intenção foi motivada pela sua experiência, por uma visão política, ou foi algo do seu processo criativo que não tem nada a ver com isso?

Um grande barato da literatura de ficção é que ela me parece o canal mais efetivo para o exercício da empatia, quando a gente se coloca no lugar de alguém que vive determinada situação, sem precisar vivê-la de fato. Em algum momento no processo de escrever esse livro percebi que minha experiência pessoal como cadeirante poderia ser muito útil para criar certas pontes. É um artifício literário bastante comum, mas que levei algum tempo até sacar que poderia sim ser pertinente.

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O livro acontece em um período de tempo bastante curto – algumas horas, ao mesmo tempo em que transpassa a vida inteira do protagonista. Esse protagonista também tenta superar uma distância física e emocional (com a própria família, especialmente o pai). Existe uma dicotomia temporal e espacial na história. Isso aconteceu naturalmente?

Acho que sim, essa relação entre espaço e tempo é muito usada na literatura e me pareceu razoável, já que se trata de um convite ao leitor, trabalhar a imagem de uma travessia, concreta e emocional. Esses avanços e recuos no tempo e na geografia de uma metrópole combinavam muito bem com a reflexão que eu queria propor: um cara que (não quer de jeito nenhum, mas) precisa cruzar a cidade para chegar a um determinado destino.

O quanto a cidade do Rio de Janeiro é importante pra sua história?

O contato com a rua está presente em quase tudo que eu escrevo, e eu vivo no Rio de Janeiro, faço questão de renovar diariamente esse contato.

Portanto, o carioca, mais até do que a cidade em si, é sempre a minha referência. A maneira como se dão as relações interpessoais (nas diferentes cidades que se chocam e se encaixam do jeito que dá, no interior de uma mesma cidade). Mais importantes do que os lugares, as ruas, os bairros, as praças, são as personas do Rio.

Essa ideia de que esse percurso feito pelo Antônio pode ser pra outro lugar, não apenas para a Ilha do Governador. Existe um aspecto de atemporalidade e universalidade no livro, que não se prende a referências fixas. Ao mesmo tempo existem particularidades muito específicas daquele personagem e daquela história. Como você acha que aconteceu esse fenômeno de desenvolver essa história com essas especificidades de forma que ela conseguiu gerar tanta identificação e universalidade?

Aí têm vários aspectos que, juntos, talvez deem conta de responder essa pergunta. Se um leitor encontra pelo livro situações ocorridas na Praça XV, por exemplo, e ele pode ou não conhecer a Praça XV, quem sabe ele não se pergunte o que é que tem na Praça XV que não tem na praça aqui perto da minha casa? (De novo aquilo de um distanciamento indesejado.)

E mais: se não nomeio essa praça, eu posso colocar nela algum elemento que me ajude a reforçar determinados sentidos que dizem respeito ao estado de espírito do personagem (um chafariz que não existe, uma estátua de Santos Dumond que não está lá).

E também: o Antônio se tornou cadeirante, ele não nasceu assim, então a sua relação com os espaços da cidade mudou, ele vê tudo agora por uma perspectiva totalmente outra (portanto não me parecia razoável que esses espaços seguissem tendo os mesmos nomes; aquela praça não é mais aquela praça, aquela rua não é mais aquela rua, está tudo muito diferente). Enfim, não sei responder.

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