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O problema é como ensinamos a matemática; o resultado é a desigualdade no Brasil

Em um Brasil marcado pela desigualdade, ensinar matemática é dar a meninas e meninos a opção real de mobilidade social pela educação

Sala de Ensino médio
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O resultado do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) 2022, infelizmente, não traz novidades. Pelo contrário, o Brasil segue ocupando posições muito baixas no exame aplicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 81 países, desde o início da série histórica, em 2000 – bem antes da pandemia de Covid-19.

Das três áreas avaliadas (leitura, ciências e matemática) pela prova internacional, matemática tem sido aquela com pior resultado. Nesta edição, em que o foco foi a matemática, só 1% dos alunos brasileiros teve nota 5 ou 6 na matéria, consideradas ideais, e apenas 27% obtiveram o nível 2 de proficiência, considerado o mínimo para ter acesso à cidadania. Os alunos brasileiros tiveram média de 379, 93 pontos abaixo da média da OCDE.

Esse resultado é reflexo de dois equívocos. O primeiro é não priorizar a matemática por entender-se que a alfabetização seria o nosso principal problema, quando na verdade ambas são igualmente importantes, portanto, demandam um investimento simultâneo.

Muitos estudos e especialistas apontam que quanto mais cedo desenvolve-se habilidades matemáticas, melhores são os resultados ao longo da trajetória escolar. Outras pesquisas revelam que a matemática é importante inclusive para o desenvolvimento em linguagem, ciências e habilidades socioemocionais, áreas fundamentais para qualquer sociedade. Portanto, tratar esses pilares com a mesma prioridade é fundamental para nosso progresso.

Estudos também demonstram que alunos com melhor desempenho em matemática, mais tarde ocupam posições mais bem remuneradas. Assim, em um país marcado por desigualdades como o Brasil, ensinar matemática é muito mais do que desenvolver habilidades com números: é dar a meninas e meninos a opção real de mobilidade social pela educação.

Como em todas as outras edições do Pisa, os resultados de 2022 mostram que o status socioeconômico dos alunos está diretamente relacionado ao desempenho em matemática. No caso brasileiro, as desigualdades também são regionais, sendo Norte e Nordeste historicamente as mais afetadas. No entanto, mesmo os alunos de estratos econômicos superiores tiveram um desempenho em matemática abaixo da média da OCDE, com queda de 13 pontos em relação à avaliação anterior, o que nos leva ao segundo equívoco brasileiro: nossa compreensão da matemática e o modo como estamos ensinando a disciplina, nas escolas públicas e privadas.

Matemática não é só aprender a fazer conta, decorar tabuada e realizar procedimentos pré-estabelecidos. Sua essência está em identificar padrões e usá-los para planejar e resolver soluções, ou seja, é a ciência dos padrões e da lógica. E o mais fantástico, é equitativa: todos podemos desenvolver o pensamento matemático, como mostram os estudos da neurociência nos últimos trinta anos. Não se trata de um ‘dom’, como muitos acreditam. Em seu livro “O gene da matemática”, Keith Devlin afirma que nossa predisposição genética para a matemática é a mesma que temos para a linguagem. O trabalho da psicóloga e acadêmica Terezinha Nunes, especializada em alfabetização e numeracia infantil, mostra ainda que a matemática é uma realidade no dia a dia das pessoas desde muito cedo. Afinal, fazemos matemática o tempo todo, mas não a reconhecemos na matemática escolar.

Nosso maior desafio, portanto, está na forma de ensinar a matéria, pulando etapas, focalizando um processo mecânico e não a sua essência, o que impede o desenvolvimento do pensamento matemático. E isso passa por políticas públicas voltadas a transformar esse ensino.

Ressignificar a matemática e transformar o ensino da matéria é, portanto, nossa chance de combater as desigualdades por meio da educação e promover o desenvolvimento socioeconômico do país.

É nisso que se baseia o programa Mentalidades Matemáticas, abordagem criada pela educadora norte-americana Jo Boaler, da Universidade de Stanford. A partir de evidências da neurociência e da psicologia, ela propõe que qualquer pessoa pode desenvolver habilidades matemáticas por meio de um ensino equitativo, colaborativo, aberto, visual e criativo.

Em oito anos de aplicação no Brasil, o programa já formou mais de 11 mil professores na abordagem e impactou mais de um milhão de estudantes em cidades como São Paulo (SP), Cotia (SP), Itu (SP), Vespasiano (MG), Altamira (PA) e Santana do Ipanema (AL). Um curso de férias de dez dias em Cotia usando a abordagem com alunos de 4º e 5º anos foi responsável por um salto equivalente a 1 ano e 3 meses em escolaridade matemática, calculado pelo desempenho na avaliação MARS (Mathematics Assessment Resource Service), por profissionais de Stanford.

É dessa forma que queremos levar as mentalidades matemáticas para todo o território brasileiro, desconstruindo mitos e estereótipos, combatendo a exclusão e fortalecendo a autoestima. Precisamos democratizar o acesso a uma abordagem que ajuda a desenvolver o enorme potencial de todas as nossas crianças e jovens.

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