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O Brasil não é só o de Bolsonaro, também é o do Butantan

‘Quando seus filhos perguntarem como vencemos a pandemia, nunca se esqueçam das palavras: ciência pública, SUS e… #ForaBolsonaro’

Foto: Govesp
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Nestes últimos dias li duas notícias relacionadas. Uma é aquele tipo de informação que gela o sangue e a outra, o tipo que o aquece e faz com que bata mais acelerado. No domingo 3, a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) anunciou uma negociação com a farmacêutica Bharat Biotech para a compra de 5 milhões de doses de uma vacina contra a Covid-19 produzida na Índia, a Covaxin. Aparentemente, na segunda-feira 4, enviados da ABCVAC embarcaram para a Índia para conhecer a fábrica da Bharat Biotech e viabilizar a importação da vacina pelas clínicas privadas brasileiras, desde que haja autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

A Covaxin teve seu uso emergencial aprovado na Índia no sábado 2, mas a autorização gerou críticas, pois os dados de eficácia e segurança referentes à fase 3 de testes clínicos não foram divulgados publicamente. Horror. Imaginem se e quando as negociações forem concluídas? O que significaria? Basicamente, vacinas para os ricos, nada para os pobres, com a bênção de Jair Bolsonaro. A gente sabe, pois sofre na própria pele, como o neoliberalismo é expert em transformar tudo em mercadoria, em transformar a vida, os sonhos, a morte, a dor, em mercadoria, em lucro. Aparentemente, em meio a uma pandemia que deixou 200 mil mortos até agora no Brasil, o neoliberalismo exibe de novo as suas garras e pretende engolir a vacina, mastigá-la, moê-la e destroçá-la. Quem se vacinaria antes, idosos ou ricos? Criar-se-ia uma fila paralela desigual, na qual os grupos mais vulneráveis não seriam prioridade, mas as contas bancárias mais encorpadas. A economia antes que a pandemia.

Para além da total desumanização do processo, se ele assim prosseguisse, seria estúpido e banal. O conceito vacina sempre anda de mãos dadas com o conceito coletividade. Não entender isso é de uma imbecilidade assustadora, mas, sabemos, a imbecilidade é uma das características humanas que sempre tende ao infinito, sempre. Em uma pandemia, ninguém se salva sozinho. As vidas de todos devem ser salvas ao mesmo tempo. A imunidade de rebanho não se consegue só por meio da vacinação daqueles com contas bancárias polpudas.

Vacina para todos. Este é um grito pela vida. A imunização precisa ser centralizada no SUS e oferecida exclusivamente pelo sistema público. Vou citar, inclusive, um livrinho, meio empoeirado, que nos últimos anos caiu no esquecimento e parece só ser lembrando quando suas páginas são quebrantadas, a Constituição. No artigo número 196, esse livrinho, que para alguns de nós ainda é importante, diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Não se pode violar a Constituição, violar a vida.

Afortunadamente, outra notícia chegou para salvar o nosso começo de ano. A vacina contra o Coronavírus desenvolvida no Butantan em parceria com a biofarmacêutica Sinovac apresentou uma eficácia de 78% para os infectados que apresentaram casos leves ou precisaram de atendimento ambulatorial e 100% para casos graves e moderados. Esqueçam a vacina privada. Vocês assistiram ao vídeo no qual cientistas do Butantan recebem a notícia da taxa de eficácia da vacina? Eu chorei. Chorei por um Brasil que é muito maior do que aquele que ocupa o poder. Chorei porque esse Brasil não merecia tanta dor, tanto luto. Chorei porque há dez anos, quando cheguei a este País, me apaixonei pelo Brasil do Butantan, da Fiocruz, do SUS. Um Brasil gigante do qual me orgulho enormemente. Chorei de agradecimento por esses cientistas anônimos que, como resposta a um presidente que se empenha em negar e destruir a ciência pública, doam ao País o mais valioso presente que a ciência pode oferecer, a vida, a vida para milhões de brasileiros, sejam detentores de contas bancárias opulentas ou apenas carreguem alguns trocados no bolso. Como eu queria abraçar cada um desses cientistas. Obrigada a cada um. Obrigada desde o mais profundo de minha alma. A vocês devemos a nossa saúde, a nossa vida e a vocês também devemos a nossa esperança. Vocês nos deram o maior #ForaBolsonaro que poderíamos ter. O Brasil não é só o Brasil de Bolsonaro, também é o Brasil do Butantan.

Quando seus filhos perguntarem como vencemos a pandemia, nunca se esqueçam das palavras: ciência pública, SUS e… #ForaBolsonaro.

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