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As ‘bombas semióticas’ anti-Lula lançadas em redes sociais e aplicativos

A campanha oficial de Bolsonaro assume uma face ‘moderada’ para os indecisos, mas sua máquina de fake news segue operando nos subterrâneos da internet

Foto: Ernesto Benavides/AFP
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O resultado do primeiro turno eleitoral levantou muitas questões a respeito das pesquisas de intenção de voto, diante da discrepância entre seus números e os da votação de Jair Bolsonaro.

Os institutos não foram capazes de medir a intenção de voto no presidente, ou ela teve um aumento repentino na véspera do pleito? Qual o peso de boatos e notícias falsas nessa equação, e nas perspectivas para o segundo turno? É impossível responder a essa questão com precisão, mas não podemos descartar a influência de pânicos morais repentinos na reta final das votações. 

No primeiro turno, algumas “bombas semióticas” anti-Lula foram lançadas em redes sociais e aplicativos de mensagens. O que parece ter sido a maior delas veio um dia antes: uma publicação do site O Antagonista anunciando que Marcola, um dos líderes do PCC, haveria declarado voto em Lula.

No dia seguinte, o Ministro Alexandre de Moraes ordenou a remoção do conteúdo “inverídico e descontextualizado”. Mas o estrago já estava feito. Dentro de minutos, a notícia já havia sido compartilhada nas redes sociais do próprio presidente, dos seus filhos, e dos principais influencers do bolsonarismo – um alcance total de dezenas de milhões de seguidores. A medida legal foi, previsivelmente, denunciada por eles como censura, reforçando assim narrativas conspiratórias de um suposto conluio entre Moraes e o candidato do PT.

Na medida em que Jair Bolsonaro percebe que tem chances eleitorais reais, o discurso golpista de fraude nas urnas é abrandado

Nas redes subterrâneas do bolsonarismo, ancoradas nos aplicativos de mensagens, a repercussão não apenas se repetiu, mas persistiu mesmo depois da remoção da postagem original, por meio de mensagens de texto, prints de tela e cortes de vídeos. No Telegram, de acordo com dados do projeto que coordenamos com apoio do InternetLab, o compartilhamento da notícia começou com uma mensagem postada às 16h10 do mesmo dia. Até as 18h do dia 2 de outubro, quando a votação do primeiro turno se encerrou, ela já havia sido mencionada mais de 700 vezes em 464 canais e 173 grupos, podendo ter alcançado  uma audiência de mais de 2 milhões de usuários inscritos nesses chats. 

O episódio reitera, ainda, que o Telegram e outras redes subterrâneas do bolsonarismo não estão isolados dos públicos mais convencionais, ancorados nas plataformas de superfície. Segundo levantamento da Novelo Data, a notícia chegou rapidamente no YouTube, repercutindo principalmente através do canal Pingos nos I’s da Jovem Pan. Às 20h48 do mesmo dia, o vídeo acumulava 56 mil visualizações. Três horas depois, esse número já tinha subido para 500 mil, e doze horas após a publicação, o vídeo superava 1,4 milhão de visualizações. 

Além da temática da criminalidade, a pauta religiosa é outro campo com alto potencial de geração de pânicos morais, e que também foi bastante explorado pela guerrilha digital bolsonarista durante o primeiro turno eleitoral. No fim de semana da votação, viralizou um vídeo onde um auto-declarado “sacerdote, mago e palestrante” satanista com mais de 1 milhão de seguidores no TikTok afirmava suposto apoio ao ex-presidente Lula. Originalmente postado na sexta-feira antes da votação, sua viralização foi um pouco mais lenta, atingindo o ápice no próprio domingo de eleição. O conteúdo também teve sua remoção exigida pelo TSE.

Esse episódio veio a se somar a uma tendência, que já vínhamos observando, de aumento de conteúdos ligados ao cristianismo no Telegram à medida que o primeiro turno eleitoral se aproximava. Chegou a superar inclusive as narrativas sobre fraude eleitoral, bem comuns nas semanas anteriores.

Uma mensagem disparada em diferentes grupos no dia que antecedeu a eleição ilustra o teor de boa parte das mensagens circuladas: “Pra ficar CLARO. LULA É COMUNISTA. COMUNISMO REGIME ASSASSINO. REPITAM COMIGO. Cristão não vota em Comunista. Cristão não vota em Comunista, ….”.

Assim como o antagonismo entre cristianismo e comunismo é repetido como um mantra, copiado dezenas de vezes na própria mensagem, a colocação de Lula e da esquerda como inimigos do evangelho e de seus valores foi uma tônica reiterada e intensificada na reta final do primeiro turno.

Tudo indica que, na campanha para o segundo turno, essa tendência se manterá. Na medida em que Jair Bolsonaro percebe que tem chances eleitorais reais, o discurso golpista de fraude nas urnas é abrandado, e o inimigo preferencial passa do TSE e do ministro Alexandre de Moraes para seu seu antagonista direto na eleição, o ex-presidente Lula.

A sua campanha oficial assume uma face mais moderada e palatável ao eleitor indeciso, enquanto a máquina de fake news operando nos subterrâneos da internet é ligada a todo vapor. Podemos aguardar mais bombas semióticas à frente – e é preciso ir construindo as defesas.

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